Beatles e um projeto que vai muito além das cores

Beatles e um projeto que vai muito além das cores

A origem da pesquisa

Após visitarem a exposição Beatlemania Experience, em cartaz num shopping center de São Paulo, duas crianças trouxeram o interesse sobre os Beatles para a sala.

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A exposição apresentava a biografia de John, Paul, George e Ringo em uma viagem no tempo valendo-se de vídeos, fotos, textos e totens interativos.

Para ampliar a pesquisa e provocar as crianças, as professoras Marina e Andressa, que trabalhavam as cores com o grupo, apresentaram para as crianças músicas e vídeos da banda em preto e branco. Marina nos contou que selecionaram esse material para tentar inquietar. As crianças “piraram na ideia” e elaboraram a hipótese de que na época dos Beatles não existiam cores.  Uma das crianças explicou que uma vovó tinha filmado os músicos e, por isso, não tinha cor no vídeo. Outra emendou que as cores só apareceram depois que os Beatles morreram.

Iniciava um trabalho colaborativo entre as professoras, a ateleirista* e o universo do preto e branco.

A abordagem educativa da Escola Primeira baseia-se em Reggio Emilia, por isso, conta com duas atelierista para dar suporte ao trabalho pedagógico.

Ela observou que os pequenos claramente estabeleciam uma conexão direta entre as imagens em preto e branco e a questão do tempo: “eles são de outra época”, “são de um tempo antigo”, “são em preto e branco”.

atividades

Dialogando com as professoras, surgiu a proposta de fotografar os espaços da escola em preto e branco. Mesmo assim, as crianças relacionavam as imagens da própria escola com épocas anteriores, “de muito tempo atrás”. A partir disso, surgiu a ideia de fotografar as crianças.

Marina conta que ao fotografar os pequenos em preto e branco e realizar uma vivência com lupas e meias luzes, as conclusões das crianças continuaram inalteradas mas, o grupo concluiu que o mistério estava na câmera da atelierista Simone: “o que aconteceu conosco?” “Quem tirou nossa cor?” “Por que ficamos assim?” “Foi você, Simone!, você com essa sua câmera”

Uma das meninas ficou zangada e disse para a Simone: “você me despintou!”.

fotografias

Quando encontraram as fotografias dos seus rostos em preto e branco, as crianças elaboraram as hipóteses em clima de mistério:

– A gente ficava diferente naquelas fotos
– Um pouco estranhos
– Fiquei diferente, fiquei preto
– Todo mundo ficou estranho
– Fiquei preto e branco
– É um filme, Simone. Acho que você filmou nossa foto com a câmera e fez nesse papel
– Eu vi um filme de tempo antigo, um senhor que era de verdade com um relógio do tempo e o coração era de tempo.
– Eu sonhei com vocês, com tudo da escola. Com a Marina, com a Mi e com o ateliê. E vocês todos eram preto e branco.

Simone conta que foi fascinante presenciar as descobertas e as conexões que faziam durante o processo investigativo. Quando viram um filme do Chaplin, os pequenos relacionaram a ausência de som à imagem em preto e branco e ao “tempo antigo”.

Foi em uma dessas projeções, que ao se aproximarem bem perto da imagem, quase colados à parede, notaram que a imagem não era mais em preto e branco e puderam perceber quadradinhos coloridos, os pixels. Essa descoberta instigante disparou, então, um estudo de cor.

A música Help dos Beatles e as descobertas das crianças

Paralelamente à pesquisa das imagens, as crianças ouviam músicas dos Beatles, desenhavam e trabalhavam com projeções.

Os pequenos queriam ouvir a banda inglesa em todos os momentos, essa foi a deixa para trazer uma vitrola para a escola.

vitrolaNa semana seguinte, Simone preparou o ateliê deixando-o vazio, apenas a maleta da vitrola no centro. A equipe não falou nada, ouvindo e acompanhando as ações curiosas das crianças.

Elas não conheciam o equipamento, mas quando descobriram que o objeto podia produzir sons ao tocar os discos de vinil, as crianças manusearam os álbuns que a Simone havia levado, escolhendo o que ouvir. Só que a atelierista não possuía nenhum vinil do Beatles e as crianças não encontraram na pilha o disco que procuravam. Simone foi a sebos e, na semana seguinte finalmente conseguiu um exemplar do álbum HELP!. Foi uma festa e tudo o que elas queriam era dançar, dançar e dançar!

A vitrola aproximou os pequenos dos recursos sonoros disponíveis no “tempo antigo” do grupo que admiravam. Nas capas dos álbuns havia cores, mas não tinha CD, nem celular e nem DVD.

A vitrola e o disco permaneceram na sala por meses e era ouvido todos os dias.

Durante todo o processo, uma das professoras fazia registros em foto e a outra anotava. Ao revisitar esses registros elas perceberam que as crianças faziam questionamentos e descobertas a respeito das produções em multimídia. Dessa forma, as propostas tomaram rumo em direção às linguagens da pintura, da fotografia, da música e do vídeo. Mas como traduzir essas observações em propostas desafiadoras para instigá-las a ir além? O que trazer para alimentar a pesquisa dos pequenos e fomentar a curiosidade?

A fotografia, as cores, a música e o movimento

Assim, experimentaram monocromia em preto e branco e produziram tonalidades. As crianças se mostravam sensoriais, cinestésicas e corporais.

construcao-da-camera-escuraDepois partiram para a pesquisa das câmaras escuras, criando câmeras fotográficas artesanais. Usaram caixas de sapato que pintaram de preto. Fizeram o orifício e se certificaram de vedar com precisão as possíveis entradas de luz.  Vivenciaram o escuro, para dar início à criação do próprio laboratório fotográfico. Nessa pesquisa, imaginaram como seria estar dentro da caixa escura. Assim, experimentaram traduzir a vedação da caixa bloqueando a luz na própria sala. Fecharam todas as portas e janelas com tecidos pretos e a experiência acabou construindo um laboratório fotográfico.

Prepararam os produtos para revelar fotografias e foram para o pátio fotografar com as máquinas construídas.

nome-do-laboratorioara prevenir a entrada de pessoas desavisadas na sala-laboratório, perceberam a necessidade de sinalizar no lado de fora da porta. Manipularam os filtros de imagens no computador, pesquisaram a influencia das luzes coloridas no ambiente da fotografia, regatando as hipóteses levantadas sobre as cores, a ausência de cores e os pixels.

vitrola-artesanalTerminaram por construir uma vitrola artesanal com motor de carrinho para poder pintar os discos em movimento: pintura cinética, como as crianças, que se movimentam e experimentam suas possibilidades.

Multimídia, multiarte, multitarefas, multipotentes! As crianças do G3 da Primeira mostraram que têm muitas perguntas complexas para fazer para o mundo. As educadoras do G3 não hesitaram em trazer sua própria cultura para enriquecer a das crianças. Elas escaparam ao óbvio e ao previsível e se deixaram embalar por uma jornada de história, ciências, arte e cultura com crianças de apenas 3 anos.

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Toda esta experiência foi colorida e maravilhosa para o Felipe.

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Para saber mais

Ateleirista – Segundo o educador e atelierista italiano, Lanfranco Bassi, de Reggio Emilia, o atelierista  não é um especialista em arte, mas um conhecedor de comunicação visual. Não ensina técnicas artísticas, mas utiliza a mídia de comunicação visual como suporte e estrutura linguística para as pesquisas das crianças. Assim, para trazer expandir os horizontes das professoras e das crianças, a Simone, uma das atelierista da Primeira, aderiu à semente de um projeto que se desenhava entre o grupo.

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14705604_10154008025563785_1026394837583627840_nMarina Rocha Esquierdo de Andrade

Pedagoga formada pela UNIP em 2010, com estágios e atuação profissional em diversas escolas da cidade de São Paulo. Interesse e estudos voltados às diferentes formas de aprendizado pelas crianças.

andressaAndressa Mitie Oshiro

Pedagogia formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2011.

img_1842Simone Sobral Rocha

Mestre em Comunicação e Semiótica com ênfase em Processo Criativo pela  PUC/SP, Especialista em Educação Infantil (FMU) e Licenciatura em Artes Visuais ( Belas Artes de São Paulo) Possui 16 anos de experiência no trabalho com crianças da Educação Infantil e Fundamental I.

1 comment

Que projeto lindo, rico e inspirador! Parabéns as professoras e a equipe que trabalhou no projeto, estou buscando inspirações para levar os Beatles para as minhas turminhas de inglês e não esperava encontrar algo tão significativo.

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