O que o Desenho nos conta?

O que o Desenho nos conta?

menino desnhando na paredeCrianças escolhem desenhar. Em diversas culturas, desenhar é uma atividade típica da infância. Ao observar os pequenos desenhando é comum perceber que todo o corpo está envolvido na ação. Os rabiscos fluem de mãozinhas que voam sobre o suporte, deixando suas marcas. Às vezes as crianças desenham sem mesmo acompanhar a ação com o olhar, fazendo parecer que os rabiscos são marcas ocasionais e sem sentido…. Ledo engano! Muita coisa está acontecendo porque nesses momentos elas usam seu cérebro de forma complexa e dedicam emoções à ação que fica expressa no suporte.

bebê desenhandoCrianças podem rabiscar desde que consigam segurar um riscador (qualquer objeto como gravetos, carvão, tijolos ou mesmo batons…) e coordenar seus movimentos o suficiente para deixar marcas. Mas é por volta dos 18 meses que elas se interessam de fato por rabiscar. Para Piaget, as crianças desenham o que sabem e não o que veem. O estudioso do desenho infantil G. H. Luquet, dizia que a criança desenha para se divertir e é para ela uma brincadeira como outra qualquer. Mais especificamente, uma brincadeira que pode ser brincada a sós, em espaços fechados ou ao ar livre.

Entretanto, as brincadeiras são encaradas com seriedade pelas crianças e, assim, o desenho também o é. As marcas são tão valorizadas por elas que em muitas ocasiões são dedicadas e presenteadas a pessoas queridas. Da mesma forma, podem ser criticadas por elas mesmas e jogadas fora. Cabe a nós respeitar e acolher ambos os momentos!

Essa brincadeira, estudada por muitos pesquisadores e acompanhada pelos educadores da infância, reflete então muito mais do que as próprias marcas, porque para desenhar são empregadas habilidades cognitivas e motoras complexas, expressões pessoais das emoções e da cultura, relações e exercício de autonomia.

Acompanhar de perto as brincadeiras de marcar, desde o lápis no papel, o dedo na areia, até o pincel carregado de tinta numa tela ou parede, pode nos levar a conhecer mais sobre as crianças e seu desenvolvimento.

Na postagem Desenho: espelho do desenvolvimento infantil, refletimos sobre fases do desenho segundo Lowenfeld. Na postagem Para compreender o desenho e sua poética conhecemos o olhar para os rabiscos da pesquisadora Rhoda Kellogg.

Podemos saber o que representa o desenho em cada faixa etária?

ATÉ 18 MESES

Rabiscos criançasAté os 18 meses, aproximadamente, as crianças rabiscam, experimentando uma diversidade de gestos e situações para rabiscar. Os movimentos concentram-se mais nos braços do que nas mãos e dedos, uma vez que os músculos associados à coordenação motora fina estão se desenvolvendo com a prática. Desse modo, as crianças costumam pegar os riscadores com toda a mão, seus gestos são grandes porque utilizam todo o braço, e o posicionamento preciso das marcas nos suportes é difícil. Assim, segundo Florence de Meredieu, esses exercícios são sobretudo motores.

A partir dessa fase e com a prática, a criança vai aperfeiçoando o controle do punho e dos dedos, porém, o desenvolvimento completo dessas habilidades só ocorre muito mais tarde. Alguns pequenos descansam o antebraço no suporte para conseguir mais controle.

24 MESES

Por volta dos 2 anos, os rabisco passam a ter um certo ritmo e se repetem. Praticando, praticando e praticando, com diferentes riscadores, suportes e planos, é que as crianças vão conquistando controle e coordenação dos gestos. O americano Bryant J. Cratty utiliza a expressão “balbucio motor” para esse momento do desenvolvimento do desenho, comparando a sua evolução ao amadurecimento da fala, que começa no balbucio.

crianças desenhando com carvão

É nessa fase que os movimentos do rabiscar e o resultado do desenho começam a ser importantes para a criança. Mas isso não significa que os pequenos tenham intenção em representar algo específico. Na verdade, estão mais preocupados com as linhas e as cores. No entanto, é possível que comecem a olhar para o desenho e reconhecer objetos, pessoas ou animais nos formatos. Desse modo, podemos esperar que as crianças elaborem explicações sobre o desenho pronto, mas não tenham intenção sobre o que vão desenhar.

Para Piaget e Inhelder a criança começa a utilizar símbolos para representar a realidade aos 18 meses. É nessa fase que os gestos e os movimentos utilizados no ato de desenhar também ganham significados. Assim, marcar rápida e repetidamente o suporte com pontinhos e pequenos riscos pode representar a chuva; uma linha que caminha pelo papel pode ser o deslocamento de um carro. Então, os gestos do desenho começam a representar ações de uma narrativa.

Na postagem Para compreender o desenho e sua poética, conhecemos os 20 tipos básicos de rabiscos identificados pela pesquisadora Rhoda Kellogg e experimentados pelas crianças nessa fase. É interessante notar, porém, que nem todos os tipos de rabiscos são usados por todas as crianças. Elas experimentam os movimentos, começam a reconhecer os resultados e passam a adotar aqueles rabiscos que lhes dão mais prazer de fazer e de olhar. Esse uso seletivo aponta para a formação de um estilo próprio e individual de desenhar, que passa a ser adotado por cada pequeno.

Soma-se a esse estilo a cultura ao redor, refletida nas estampas dos tecidos, nas cores das casas e da escola, nos livros, nas obras de arte espalhadas pela cidade e no desenho do amigo ao lado. Todos esses fatores combinados distinguem individual e coletivamente as produções e os percursos das crianças.

Se tenho tantas possibilidades para desenhar, o que eu vou escolher fazer?
As tomadas de decisão das crianças sobre o quê e como desenhar são exercícios frequentes, prazerosos e complexos. Esse ato envolve uma prática ativa de autonomia e expressão singular dos modos de ser de cada pequeno:
Qual riscador vou escolher?
Qual parte do suporte vou riscar agora?
Qual cor vou selecionar?
Quais marcas vou fazer?
Como vou me posicionar?
(desse modo, não cabem instruções ou comandos do adulto sobre o processo de desenhar!)

É nessa fase também que começam a chamar a atenção dos adultos para as suas produções: olha para mim! Veja o que eu estou fazendo! Olha como eu sou competente! Fiz essa obra maravilhosa sozinho!

24 A 36 MESES

Rabiscos círculosEntre dois e três anos, de acordo com Kellogg, as crianças começam a desenhar as formas simples. Especificamente os rabiscos formam cruzes, “X” e, quando as linhas se fecham, formam os círculos, quadrados e triângulos primitivos. Em seguida, duas dessas formas começam a ser combinadas, os chamados agregados.
Qual a importância disso?
A partir do momento em que a criança começa a desenhar formas fechadas, ela dá o primeiro passo em direção ao desenho realístico, onde começa a exercitar a ação de desenhar aquilo que tem intenção de representar.

Assim, as linhas definem contornos e limites de objetos. Geralmente, a primeira figura realística a surgir é o esboço primitivo de uma pessoa – o homem-girino (ou tadpole): uma grande forma circular com duas longas linhas estendidas como pernas, que flutuam no papel e representam cada figura humana do universo da criança. Que economia! E quantas possibilidades se abrem para representar a própria vida! Com a prática, o desenho pode conquistar as estruturas do rosto, como olhos, nariz e boca, e ganhar braços quando eles tiverem um papel na narrativa.

desenhos Tadpole - homens-girinos

3 E 4 ANOS

Entre 3 a 4 anos, os movimentos das mãos vão sendo percebidos pelas crianças como causadores do rabiscos. O controle visual e motor causa entusiasmo e a pesquisa de tipos de rabiscos e traçados se aprofunda. A partir desse ponto, as crianças vão começando a criar outros símbolos para representar objetos que são comumente desenhados: sol, cachorro, casa, planta…

aprofundando as figuras do desenho

4 A 7 ANOS

início da esquematizaçãoDos 4 aos 7 anos, apesar de buscar as representações mais reais, as crianças ainda desenham aquilo que conhecem do mundo, segundo Piaget e Inhelder. É nesse período que os desenhos precisam registrar tudo o que está na narrativa da criança, à medida que esta vai se desenvolvendo, independentemente de regras de realidade. Céu e linha do horizonte nunca se encontram, uma flor pode ser tão grande quanto uma pessoa, os raios do sol podem envolver os objetos como num abraço caloroso e os arco-íris aparecem sem nunca ter chovido.

desenho figuras humanas criançasNessa fase, para Vigotsky, o desenho parte do que está na memória: imagens e emoções. Num de seus ensaios, o estudioso conta que um colega psicólogo pediu para que uma criança (na fase do desenho esquemático dos homens cabeça-pés) desenhasse a sua mãe que se encontrava em frente. O pequeno não levantou os olhos para a mãe em nenhum momento enquanto desenhava.

Mesmo assim, é muito conteúdo para ser pensado:
Onde posicionar cada objeto?
Como representar isso e aquilo?
Como desenhar com linhas coisas que não tem linhas?
Como fazer caber os detalhes da cena?
Como usar as habilidades motoras para desenhar aquilo que se quer expressar?

Mais um passo no desenvolvimento foi conquistado: conectar os movimentos do desenho ao mundo que a rodeia.

Com tantos processos cerebrais complexos se desenvolvendo na cabeça dos pequenos, ainda observamos adultos ansiosos por reconhecer e nomear os desenhos infantis. Se as crianças estão amadurecendo as habilidades motoras e as relações dos desenhos com a própria realidade, de que adianta conduzi-los a esse tipo de reflexão?

Além de organizar momentos para desenhar enriquecidos com variedade de materiais que desafiam os movimentos e a criatividade, o professor pode interagir com sua turma seguindo algumas sugestões:

  • desenhando no tunelDê riscadores para bebês que já possam sentar e segurar objetos. Existem muitos materiais disponíveis para crianças bem pequenas desenharem: giz de cera mais macios, mais grossos, canetões, tocos de carvão, pedaços de tijolos.
  • Incentive os esforços de desenhar não dando valor à beleza. No lugar de dizer: “que bonito” ou “seu desenho está lindo”, que tal dizer: que colorido! Quanta coisa você desenhou! Esse desenho está diferente do que você fez ontem (se estiver mesmo!). Olha como você usou todo o papel! Olha como você desenhou bem no cantinho! Olha como você fez bolinhas!
    Também pode conversar sobre os conceitos do desenho: linhas grossas/finas, estreito/largo, curvas grandes/estreitas, usou muita pressão/fez de leve, escuro/claro, muito colorido/pouco colorido etc..
  • Enriqueça o acervo de referências das crianças com reproduções de desenhos de boa qualidade. Pesquise e coloque na sala, na altura dos pequenos, desenhos interessantes e obras de arte para inspirar o olhar das crianças. Podem ser pinturas, desenhos e grafites.
  • Escolha um fundo musical com qualidade cultural para os momentos do desenho. Perceba se os desenhos mudam com o andamento do ritmo da música e mostre isso para os pequenos.
  • Selecione as produções para expor – sempre! Expor 15, 20 ou mais desenhos é quase a mesma coisa que não expor nenhum! É muito difícil passear os olhos por tantos desenhos juntos e perceber os detalhes. Por isso, você pode usar critérios para fazer as exposições, tomando o cuidado de rodiziar os autores. Pode-se expor num dia os mais coloridos, no outro, os mais escuros, no outro, os que produziram bolinhas, no outro, os que arriscaram os homens-girinos e assim por diante.

Desenhar, como poucas atividades da infância, permite que crianças pequenas expressem suas emoções, experimentem autonomia e construam autoconfiança. É parte fundamental do desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e encaminha ao acesso do mundo do letramento. Assim, precisa acontecer todos os dias, como comer, beber, brincar, descansar e tomar sol!

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Balão-Para-Saber-MaisPara saber mais sobre o Desenho na infância, leia:

Palavra de… Edith Derdyk: o desenho do gesto e dos traços sensíveis
Para compreender o desenho e sua poética
Desenho: espelho do desenvolvimento infantil
Desenhar, desenhar, desenhar …todos os dias!

BIBLIOGRAFIA

A representação do espaço na criança – Jean Piaget e Bärbel Inhelder – 1993
La imaginación y el arte en la infancia – Ensayo psicológico de Lev S. Vigotsky – 1986
O Desenho Infantil – G. H. Luquet – 1969
O desenho Infantil – Florence de Mèredieu – 2006
Ver depois de olhar – Silvana de Oliveira Augusto – 2014
When Children Draw – Sandra Crosser

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9 comments

Desenhos não são apenas desenhos, mas os registros e experiências vividas pelas crianças.

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