Eu vejo o mundo pelos olhos da minha aldeia.
A frase do escritor russo Leon Tolstoi (1828-1910) provoca uma importante reflexão sobre a construção da identidade das crianças pequenas. O mundo começa a partir do lugar em que vivo. Como trabalhar com contextos significativos que contribuam com a construção da identidade? Como identificar o universo cultural de cada pequeno e compor um repertório para o grupo? Famílias e escolas podem ser parceiras nas experiências culturais dos pequenos?
Muitas escolas se relacionam com as famílias e com a comunidade a partir de demandas administrativas ou de comemorações festivas. A escola nem sempre se integra ou participa da vida da comunidade. Mantém-se à parte, quase que encapsulando suas crianças. Escola não é uma bolha.
Para Dahberg, Moss e Pence, a escola resguarda um espaço para a criança viver a infância. Porém, esquecemos que a própria escola é parte do bairro e da comunidade. Assim, é a própria comunidade que disponibiliza às crianças a oportunidade de brincar e se desenvolver na instituição. Nesse sentido, a infância na escola só pode ser vivida plenamente se estiver inserida na cultura dessa comunidade.
Péo (Maria Amelia Pinho Pereira) diz que nós somos o resultado de uma infinidade de tradições. A cultura se apresenta como um estado de ser em que se cria beleza, se expressa a alegria e se manifesta o sentimento. Esse é o legado que recebemos dos povos que compõem nossas raízes.
Como trazer a cultura das famílias e da comunidade para dentro da escola, trabalhar com esse conteúdo e compartilhar com todos?
Um passo nessa direção é pesquisar e acolher as culturas das famílias das crianças. Outro passo é levantar a cultura do bairro da escola e conhecer seus recursos em variadas dimensões. Não são somente os museus e centros culturais instituídos que contemplam a cultura da comunidade. A cultura está também nos hábitos, nos ofícios, nas celebrações e nas tradições dos moradores. Os objetos, a arquitetura, a urbanização e a paisagem natural também refletem a cultura.
Assim, na hora de conhecer a criança, a família, os dados, o histórico, a ficha médica, os hábitos de higiene, alimentação etc., é imprescindível levantar também a cultura de cada núcleo familiar.
Preparamos uma sugestão de roteiro de “conversa” para conhecer as famílias e a comunidade do entorno da escola – mais significativamente e menos burocraticamente.
Use, adapte e transforme o instrumento, se achar necessário. Procure preencher o roteiro com as famílias, mas, se não conseguir organizar os encontros, imprima e peça para que respondam em casa.
Reflita sobre as respostas que colher, o perfil cultural da comunidade. Planeje formas de trazer os elementos tradicionais e as manifestações artísticas e culturais como conteúdo pedagógico – para as crianças e famílias desfrutarem. Paralelamente, não esqueça de pensar em maneiras de transbordar esse trabalho para fora da escola.
- Que tal convidar aquele avô que toca pandeiro para brincar de fazer música com as crianças?
- E aquela vizinha que ainda se lembra de como moldar o barro e fazer esculturas de bichinhos?
- E o pai que se recorda de brincadeiras e jogos da infância?
- O tio que entende e reconhece as plantas pode acompanhar as crianças num passeio de reconhecimento da flora da comunidade.
- Já pensou a riqueza de convidar o padeiro para preparar pães iguais aos da padaria com as crianças? E o marceneiro para lixar pedaços de madeira?
- Que tal passear com a senhorinha que sabe contar histórias sobre cada casa e loja do bairro?
São infinitas possibilidades que integram educação e cultura para construir um sentimento de valorização das raízes, interesses e respeito pela própria cultura e pelas culturas de todo o mundo.
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PARA SABER MAIS…
Anamnese (do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória) é uma entrevista. Hoje é mais associada ao contexto da saúde como ponto inicial para o diagnóstico de doenças. Mas na filosofia de Platão, anamnese é a rememoração gradativa através da qual o filósofo redescobre dentro de si as verdades essenciais e latentes.
→ Bibliografia
Casa Redonda – uma experiência em educação, Maria Amelia Pinho Pereira, Livre Conteúdo, 2013
Qualidade na Educação da Primeira Infância – perspectivas pós modernas, Gunilla Dahberg, Peter Moss, Alan Pence, Artmed, 2003
→ Leia mais sobre esse tema nas postagens:
♦Datas Comemorativas: muito além das festas!
♦Festa Junina: oportunidade para trabalhar com a equipe de educadores
♦Planejamento na Educação Infantil e as datas comemorativas
♦Tânia Fulkelmann Landau fala da importância das manifestações culturais na formação da criança
Excelente! Eu estava em busca de artigos assim. Obrigada!
Oi, Claudinéia,
Que bom que encontrou o que buscava! Estamos abertas a sugestões e dúvidas. Abraço e obrigada pelo retorno!
Sou professora de educação especial e faço anamnese com os familiares dos meus alunos, pesquiso todo o histórico familiar e é essencial para que o eu possa desenvolver um bom atendimento e formar um elo entre família e escola.
Maria Zilda,
Muito bom!
Acreditamos que esses levantamentos podem compor um rico conteúdo de trabalho com cultura, história e cidadania nas mãos dos educadores.
Abraço e obrigada pelo retorno!