DIA DOS PAIS, das mães, dos avôs, dos padrinhos…

DIA DOS PAIS, das mães, dos avôs, dos padrinhos…

Estamos nos aproximando de mais um “Dia dos Pais” e as buscas por “lembrancinhas” estão fervilhando. Antes de se deixar influenciar pelo “piloto automático” dessa comemoração, propomos uma reflexão: todas as famílias são iguais? A figura paterna de todas as crianças é a mesma?
Vale a pena comemorar o Dia dos Pais (Mães etc.) na escola?

O espaço familiar é o primeiro contato da criança com o mundo. As primeiras relações são estabelecidas com as pessoas da família e são fundamentais para a formação e desenvolvimento dos pequenos. Nesse sentido, o uso do termo “fundamental” não é aleatório porque significa fundamento, alicerce. Estudos atuais apontam que as boas relações na família garantem saúde, desenvolvimento neurológico e bem estar emocional. Na nossa cultura a família acolhe, dá suporte, cuida e ama.

Snezhana Soosh pai 2

O Dia dos Pais celebra a paternidade. Mas é preciso perguntar como são constituídos os papeis de parentesco nas famílias de hoje. A figura tradicional do pai é igualmente representativa para todas as crianças?

Essa percepção aponta para vários incômodos. Um deles diz respeito à estrutura familiar. Se, por um lado, reconhecemos e respeitamos as múltiplas composições familiares da nossa sociedade, por outro continuamos valorizando clichês que se opõem à diversidade. As famílias contemporâneas são redes sociais de afeto e acolhimento que independem de raça, gênero, origem e consanguinidade.

Snezhana Soosh paiUma característica das famílias de baixa renda das grandes cidades é a estrutura de relações em rede. Realidade nos grandes centros, esse formato familiar se compõe de comunidades cuidadoras, dedicadas a amar, educar, amparar e contribuir para o desenvolvimento de uma boa parcela de nossas crianças. Para a socióloga e antropóloga, Cynthia A. Sarti, a rede é uma trama que envolve seus membros, o que dificulta a individualização. Por outro lado, garante a existência da família apoiada num sentimento de obrigação que vai além das relações de parentesco. Um tio que se encarrega de buscar o sobrinho na escola e cuidar dele até a volta dos pais. Uma madrinha que alimenta, leva ao médico e até frequenta as instituições escolares acompanhando reuniões pedagógicas. Tudo porque os pais – talvez nem todos presentes – estão ocupados com o ganha pão.

Outra situação que se contrapõe à imagem tradicional de família são os arranjos conjugais que agregam outros pais, mães e irmãos às crianças. O que dizer dos pequenos que convivem com dois pais, o biológico e o padrasto, sentindo carinho por ambos? A escola providenciaria duas lembranças para a criança presentear? Ambos seriam mencionados e convidados para uma eventual festa?

Então, é possível dizer com certeza quem é a pessoa homenageada no mês de agosto para cada família?

Finalmente, com relação às “lembrancinhas”, quais os ganhos educativos e emocionais que as crianças conquistam ao preparar um produto que raramente parte de seus interesses e entendimentos? Pensando nos pequenos de até 4 anos, O Dia dos Pais, das Mães e outros DIAS carecem de significado porque nessa fase as crianças estão construindo os conceitos relacionados à temporalidade: dia, hora, ano, ontem, hoje, amanhã etc..

É comum recebermos pedidos das crianças para levarem os desenhos para casa para dá-los às mães, pais, avós, tios e madrinhas, independente de qualquer celebração. Uma folhinha coletada no quintal também pode virar um presente carinhoso para os familiares. São gestos significativos para os pequenos, que partem deles e são inteiramente produzido por eles. Em resumo, são legítimos.

Nós, do Tempo de Creche, acreditamos que os eventos realizados pelas instituições de educação que recebem e festejam as famílias são muito positivos para toda a comunidade escolar. Nesse sentido gostamos das festas do Dia das Famílias, que celebram a cultura e os vínculos afetivos.

É no grupo familiar que se inaugura o desenvolvimento psicológico e o sentimento de aceitação social. Nesse âmbito a criança tem suas primeiras e mais importantes relações. Por que não valorizar e homenagear essas relações de afeto tão necessárias para todas as crianças? Por que não organizar uma celebração que inclua as múltiplas composições familiares?

Assim, é hora de se voltar para a escola e levantar:

Balão-Dúvida-pO que é significativo para cada grupo de criança em relação a comemorar e “presentear”?
Como são as composições familiares das crianças?
Como é a cultura de celebração da comunidade, independente dos apelos do consumo?

Nas palavras da professora de Educação Infantil Ana Helena Rizzi, as comemorações devem pertencer ao contexto de experiências das crianças e não partirem de temas escolhidos pelos adultos, fora do diálogo efetivo com elas.

♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦

Balão-Para-Saber-Mais Leia mais sobre Datas Comemorativas e relações escola-famílias nas postagens:

→ Cynthia Andersen Sarti é socióloga e atua na área da Antropologia, com ênfase nos seguintes temas: sofrimento, vítima e violência; corpo, saúde e doença; moralidade; família; gênero

Balão-crédito-imagens→ Snezhana Soosl é uma pintora ucraniana. Ela produziu uma série de aquarelas que ilustra sensivelmente o amor entre um “grande pai grande” e sua pequena e delicada filha. Acesse o link e conheça mais obras da artista. É de encantar!

8 comments

Amo os textos desse Blog! Este, em especial, é tão sensível…Mas como é difícil se desprender da cultura do consumo!
As leituras têm transformado minha prática! Recomendo o Blog para todos os colegas que atuam na Educação Infantil.

Vanessa,
Seu comentário chegou até nós e está publicado! Ele não entra imediatamente na página porque antes vem para nós, autoras. Se puder, complete seu pensamento e mande para a gente.
Abraços

Um texto muito bom e muitas coisas para pensar a respeito de datas comemorativas na escola. Ouvir a criança é fundamental para trilhar um caminho de sucesso nesse sentido.mar

Acredito que a sociedade atual evoluiu em muitos sentidos, novos modelos familiares (se bem que acredito que já existam faz tempo) então começando a ser respeitados e tratados de maneira natural, como deve ser feito. Sou adepta da palavra “respeito”, independente de qualquer pensamento interno, o respeito ao próximo é o que nos manterá capazes de seguir como um grupo. Na escola da minha filha não existe dia dos pais e nem das mães, isso me incomoda. Explico: se queremos um mundo melhor, devemos conversar sobre os inúmeros papéis dos membros da família, tenho certeza de que a criança sabe bem quais são os importantes pra ela. Que tal, ao invés de se silenciar sobre essas datas na escola, aproveitar e agir naturalmente, deixe a criança livre pra se expressar com uma caneta e um papel, ou seja, converse, não se cale. O mundo está aí, nós somos maduros o suficiente pra falar sobre como ele é. Num desenho tenho certeza de que a criança pode desenhar dois pais, duas mães, um padastro, um avô etc. Que tal aproveitar essas datas pra refletir: O que é um pai pra você? O que é uma mãe pra você? Quem são eles? Faz parte da escola a reflexão social, correto? Não a educação familiar, esta é absoluta responsabilidade dos pais. Me incomoda muito o silêncio ao invés da comunicação. As crianças são inteligentes. No último dia das mães minha filha, que convive também com vizinhos veio me perguntar porque a sua escola não tinha uma atividade pro dia das mães, respondi um pouco sobre a publicidade, o comércio e sobre os modelos novos de famílias, expliquei que a escola não queria impor uma data, obrigando as crianças a cumpri-la. Ela me pediu algumas folhas, pegou suas canetinhas e se recolheu, guardou 4 cartinhas debaixo da cama. No dia das mães me entregou uma (um desenho dela, comigo e um coração), fez o mesmo para as duas avós, a quarta cartinha foi pra professora da escola. Não precisei perguntar se ela tinha 4 mães, a data também não passou em branco, e ela estava muito feliz em fazer 4 presentinhos pra entregar naquele dia, a propósito, ela tem 4 anos. Reflitam.

Cristina,
Que bom podermos pensar essa questão em conjunto. Obrigada pelas suas reflexões.
Escola e família formam uma parceria valiosa e fundamental na educação das crianças. Uma sem a outra é como uma andorinha sozinha, não faz verão! Segundo o provérbio africano, citado por vários autores, é preciso uma aldeia para educar uma criança. Isolados, em nossos pequenos mundo não pensamos que os filhos vão crescer e conviver com uma sociedade inteira. Por isso, se queremos o melhor para nossas crianças, é necessário nos sensibilizarmos com as comunidades e também fazermos por elas.
Todo o processo de comemoração de datas referentes à paternidade precisam de um olhar cuidadoso, uma vez que os elos que unem crianças aos seus cuidadores são sensíveis e independem de títulos. Ficamos felizes de conhecer a forma como sua pequena de 4 anos resolveu o desejo de presentear as mulheres importantes de sua vida, tocada pelos apelos da mídia e da tradição de algumas escolas. Porém muitas crianças sofrem por não conseguirem resolver o impacto emocional ao se confrontarem com imposições sociais que ainda não têm maturidade e bagagem para lidar.
Nas palavras de Ana Helena Rizzi, professora de Educação Infantil e pesquisadora da USP, “lá na creche a gente não comemora datas com temas como o dia das mães, dia dos pais, dia da árvore, dia do professor ou dia do índio. A gente pensa que são comemorações que podem não pertencer aos contextos das experiências das crianças, e essa não é a nossa proposta. Isto porque, se tratam de temas escolhidos pelos adultos, fora do diálogo efetivo com as crianças”.
Abraço!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.