Palavra de… Maria Alice Proença: a cultura do fazer coletivo na Educação

Palavra de… Maria Alice Proença: a cultura do fazer coletivo na Educação

Foto Maria Alice ProençaPara Maria Alice de Rezende Proença, doutora em Educação, o estabelecimento de uma cultura de registro coletivo transforma o dia-a-dia em aprendizado e contribui para a construção pessoal de cada membro da equipe. Um caminho constituído a partir da prática frequente de agir, registrar, refletir e agir novamente com a clareza da intenção da ação docente para promover aprendizagens cada vez mais significativas.

Um mapa como síntese para todo o trabalho:

Mapa de Rede - Alice Proemça Tempo de Creche – Qual a importância da história pessoal para o trabalho dos educadores da Educação Infantil? Como construir este sentimento de pertencimento?

Alice – Para entrar em qualquer tipo de trans-formação, o sujeito tem que primeiro partir de uma história pessoal. Essa narrativa é que vai dando para o sujeito a possibilidade de tomar consciência do seu percurso.

Ao trabalhar com um grupo e promover transformações, é preciso que cada participante veja sentido naquilo que está sendo feito. Se não, as propostas colocadas são sentidas como do coordenador, da direção, de todos os planos de ensino ou de todas as políticas que vemos por aí. Só que essas propostas não “ouvem” os educadores, que são os que estão de fato com a mão na massa (lidando com as crianças). Os que estão ali, no cotidiano.

Esse espaço de construção de histórias é que dá a possibilidade do sujeito poder pegar um fio da meada.  Quando a gente tem esse fio da meada, dentro de um grande leque de possibilidades, é que passa-se a sentir cada vez mais a importância e a necessidade da síntese do percurso formativo para planejar novas intervenções promotoras de avanços.

Tempo de Creche – Como desenvolver o processo de síntese com a equipe?

Alice – Palavras!

São as palavras que se pode pinçar no meio das histórias pessoais. Elas podem se transformar em eixos por onde cada professor vai caminhar.

Eu fazia as reuniões pedagógicas e deixava a lousa, ou um painel grande, disponível para os professores. Dava cartões para que, a cada término de percurso, pudessem levar uma palavra como memória. E essa era a palavra-chave, que ia guiando a ação do sujeito ao longo dos próximos dias.

Madalena Freire disse: a gente só consegue observar se tiver um foco, um ponto de observação, se eu não tiver um ponto, meu olhar olha tudo e nada vê.

O professor sai de uma reunião encantado porque ouviu, discutiu, ou cansado porque aquele dia foi complicado. Se não tiver alguma coisa para puxar a memória, ele simplesmente esquece.

Palavras - Alice ProençaMas, se saímos da reunião com uma palavra que teve significado, ela vai guiar a sua postura ao longo da semana ou da quinzena. Eu ainda sugeria que poderíamos aprofundar o percurso da semana pensando em algum teórico que desse respaldo para a palavra escolhida, ou, principalmente, em exemplos que se veriam no dia a dia.

Então se essa palavra tocou você, por alguma razão, você passa a ter um olhar para o dia a dia inspirado por ela.

Tempo de Creche – Entendemos, então, que esse é o foco do educador: o foco do olhar e da escuta daquilo que acontece…

Alice – Sim!

Toda escola tem as questões do dia-a-dia! A questão das brincadeiras de meninos e meninas; a de cada família; a das brincadeiras porque as crianças não organizam o pátio; a dos cantos da entrada. … Eu pedia, nas ações formativas, pensem e escrevam sobre isso.

Eu solicitava que escrevessem o que aconteceu embaixo da palavra chave, nas fichas ou nos cadernos. Na reunião seguinte, começava por essas palavras que fizeram sentido e dava voz para os educadores falarem sobre elas. Só que isso tinha que ser registrado também. Foi assim que fomos implantando a cultura do registro na escola. Começaram por construir a ação de registrar sobre suas próprias questões.

Intencionalidade da Ação Docente

Tempo de Creche – O compartilhar entre a equipe ajuda na construção do registro? Podemos dizer que isso é fundamental?

Alice – Sim!

No começo, eu me lembro de que pegava as palavras e colava nas paredes das salas dos professores. As palavras de cada professor, juntas, formavam uma rede que também ficava exposta para que todos os professores interferissem nela. Eu colocava as redes nas paredes e a equipe tinha que rechear com os exemplos. Porque é dessa relação entre o todo e a parte que vai se criando a possibilidade de você argumentar, refletir, parar para pensar, se distanciar daquilo que é feito no ato e poder avançar. E, principalmente, você vai criando essa questão do grupo pensar junto. Porque o exemplo do outro pode ser bom para mim… isso é que vai fazendo com que um professor mergulhe na proposta do outro. E aí era interessante porque cada um tinha um projeto completamente diferente. E quando os professores percebiam o que o outro estava fazendo, começavam a participar e compartilhar. Uma trazia um livro para a outra, uma contava que viu uma exposição que poderia alimentar o projeto da outra. Romperam-se barreiras, abriram-se as portas e todo mundo começou a fazer no coletivo. Foi nesse momento que o coletivo ganhou sentido, porque passou a não ser mais um espaço onde é “o meu”, passou a ser “o nosso”! E isso só foi possível com esse vai e vem de conteúdos e a socialização das práticas pedagógicas cotidianas.

A questão do grupo precisa ser vivenciada. Fizemos os painéis para colocação dos registros dos projetos em desenvolvimento com espaço para interferências colaborativas de todos os educadores da equipe.  Colocamos canetas penduradas, e post-it, de forma que todos pudessem compartilhar as experiências e participar. Isso possibilitou criar uma cultura de grupo e ir para frente, incluindo as famílias e a comunidade a favor de aprendizagens das crianças.

Tempo de Creche – Você tem alguma dica para construir um trabalho em rede?

Alice – Muitas vezes existem comentários de que não se sabe o que acontece na escola. Mas não se sabe porque ninguém tornou visível. Como eu posso contar para o outro o que estou fazendo? Os corredores, as paredes, os murais, os painéis, um simples cavalete colocado na entrada passam a ser instrumentos de comunicação. Os portfólios ficam disponíveis na frente da escola, para todos. Passa-se a ver a escola como um todo e não só por segmentos. É o que Malaguzzi  (idealizador da abordagem de Reggio Emilia) falava: eu só consigo ver e dar sentido para aquilo que se tornou visível. Então o conceito de visibilidade está também na mão de quem comunica e não só na do outro, que recebe a comunicação.

Tempo de Creche – Como fazer uma equipe inteira se envolver nesse processo?

Alice – Passa muito pela questão da autoria: é preciso, para que a minha equipe caminhe, abrir um espaço em que todos sejam autores dos seus percursos.

E aí entra um ponto muito interessante para pensar:

Professor faz a mesma coisa com as crianças. Se o professor centraliza os interesses na mão dele, simplesmente o projeto fica dele, o grupo fica distante, ele vibra com aquilo, mas o grupo … Como posso envolver o meu grupo como um todo? Como colocar conteúdos de cada num projeto? Como fazer propostas com referências em comum?

Quanto mais tornar visível os projetos mais as pessoas começam a fazer parte.

Tempo de Creche – Isto é um Diálogo aprendente?

Alice – Isso só acontece quando todo mundo tiver voz.

A equipe pode crescer porque cada um vai tornando visível seus registros e as ações podem ser multiplicadas. Passa então a ser um projeto de todo mundo e não mais do coordenador. Isso é pesquisa-ação. Os professores podem, e devem, pesquisar sobre o que fazem. Nesse momento você consegue fazer todo mundo avançar. Colocar os professores fazendo relatos sobre seus trabalhos para os professores novos que chegam. Isso é teia.

Você precisa falar com o outro sobre aquilo que você faz, pois quanto mais o professor e o coordenador contarem a própria história, as intervenções planejadas e vivenciadas, maior é a chance de elaboração e apropriação das práticas cotidianas. Ao ressignificar o percurso formativo pessoal e do grupo, amplia-se o repertório de atuação, além de fortalecer a cultura do coletivo.

Eu só consigo transformar a prática do educador no momento em que os nichos da memória podem ser vasculhados – Ecleide Furlaneto

Balão Para Saber MaisTempo de Creche propôs este diálogo com Maria Alice Rezende Proença a partir da leitura de sua tese de doutorado – A construção de um currículo na formação do educador infantil. De Alice a Alice: relatos de experiências no país das maravilhas da docência, que sugerimos como leitura a todos os coordenadores.

Leia também no tempo de Creche:

 

Maria Alice Rezende Proença é doutora em educação pela PUC-SP, mestre em didática pela FEUSP, assessora pedagógica da Escola Primeira, formadora da rede pública e privada, coordenadora do projeto Paz se faz com arte da Aliança pela infância e MAM-SP 

8 comments

Amei o texto! Vivenciamos muito isso nos espaços educacionais.
precisamos compartilhar e deixar que as crianças vivenciem mais as próprias ações..

Bom dia, muito bom ler o texto da querida Dra. Alice Proença!!! Ao ler, vejo-a falando sobre o tema com muita clareza e propriedade, o que muito nos enriquece. Parabéns!!!

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