Palavra de… Sylvia Nabinger: filosofia e práticas Emmi Pikler

Palavra de… Sylvia Nabinger: filosofia e práticas Emmi Pikler

Hoje, por todo o Brasil, acontecem estudos, reflexões e discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular e as práticas pedagógicas na Educação Infantil. Nesse contexto, no próximo mês, em Florianópolis e São Paulo, Anna Tardos, Agnès Szanto Feder e Myrtha H. Chokler compartilham com os professores da primeira infância a filosofia Emmi Pikler.
Tempo de Creche vem aprofundando a discussão sobre os cuidados e a educação de bebês numa série de postagem.  Nesta publicação conversamos com a presidente da OCIP Acolher, Sylvia Nabinger, uma das pioneiras na implementação desta filosofia no Brasil. 

Bebês, uma aventura passo a passo na visão de Emmi Pikler

Tempo de Creche – Como a filosofia Emmi Pikler vê o bebê?
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Sylvia – O bebê experimenta a aventura, descobre tateando, reproduz, coordena cada aquisição à medida que segue seu caminho, enfatizava Emmi Pikler. Essa afirmação mostra a importância de respeitar todas as manifestações espontâneas do bebê, a ordem e o ritmo de seus aparecimentos. A continuidade desse processo, em que o bebê é ator e autor, aponta para o significado de que o exercício de cada passo, não apenas prepara, mas serve de base para o passo seguinte: “é importante não contrariar esse processo interferindo ou expondo o bebê a posturas que ele ainda não descobriu sozinho ou que ainda não é capaz de adotar, retirando assim sua alegria de descobrir por si próprio e sentir segurança em suas próprias capacidades”.  Segundo Myrtha Chokler adiantar as posturas é adiantar os fracassos.

Tempo de Creche – Quais são os pilares da filosofia de Pikler?
Sylvia – Pikler mostra a importância para o bebê de se beneficiar de três espaços de vida bem distintos, que se alimentam um do outro:

  • Cuidados corporais, como parte de uma relação calorosa, íntima com a pessoa que garante o conjunto de cuidados e organiza os três espaços de vida. Essa intimidade é fruto de um olhar atento, permitindo ter acesso ao conhecimento do bebê real, de seus progressos e aquisições cotidianas, da sua forma de ser, suas capacidades, suas aquisições e o que ele esta começando a explorar. Tudo isso favorece o transcorrer dos cuidados realmente necessários para cada bebê, o toque cuidadoso e a fala constante.

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  • Motricidade livre: espaço de brincadeira livre, na qual o adulto não intervém diretamente, mas cuida ao organizar de forma a garantir sua permanência cotidiana e a segurança do bebê. Esse espaço, sua dimensão, seus limites, seu conteúdo são pensados em função do desenvolvimento do bebê, de seus gostos e interesses. Sempre apoiado em solo duro, sem travesseiros, assegurando o mínimo de um metro quadrado por criança.
  • Sylvia 7Descanso, sono e alimentação: a frequência, o ritmo, o tempo, o conteúdo de cada um desses espaços deve ser regulado em função da observação do estado da criança: desenvolvimento, vigilância, cansaço, apetite, satisfação etc.. Afim de que o bebê esteja se sentindo bem corporalmente e que ele possa aproveitar.

Tempo de Creche – Sylvia poderia dar exemplos algumas situações práticas da filosofia de Pikler?

dicaQuanto à vestimenta
Escolha roupas com a mesma lógica da organização dos espaços: que, favoreça a livre movimentação das crianças, dos membros, tronco e cabeça. Pensar cuidadosamente nas fraldas e nas calças que não devem impedir os movimentos das pernas, por exemplo, evitando calça jeans e botas. Importante pensar no uso dos pés como um todo. Os sapatos impedem o uso dos dedos como ponto de apoio e equilíbrio. Deixar os bebês descalços ou de meia favorecem este desenvolvimento.

dicaQuanto aos brinquedos 
A escolha dos brinquedos precisa atender a critérios conforme a idade. Para os menores, os brinquedos leves e grandes. Conforme vão crescendo as crianças vão manipulando melhor brinquedos menores. Do mesmo modo, os utensílios de cozinha utilizados no faz de conta pelos bebês nos devem ser bacias de plástico de diferentes tamanhos e panos pequenos (aproximadamente 36cm x 36cm) para evitar acidentes. Outro aspecto a ser considerado é o número de brinquedos disponibilizados. Para evitar disputas e mordidas, o número de brinquedos deve ser maior que o número de crianças, entre eles vários objetos iguais.

Sylvia 5 Para os bebês maiores caixotes e estrutura de espumas favorecem o entrar e sair, sentir diferentes volumes, subir e descer.

dicaQuanto à alimentação
A alimentação dos bebês precisa ser individual. À medida que vão crescendo o uso de talheres vai sendo implementado, como por exemplo, uma colher de sobremesa. O estomago dos bebês é pequeno e, portanto os pratos utilizados precisam acompanhar esta proporção. É melhor o bebê se servir várias vezes do que apresentar um prato com muita comida. Os líquidos devem ser oferecidos separadamente e não junto com as refeições.

Sylvia 3Crianças se relacionam com a comida manuseando o alimento. Experimentam textura, espalham e catão os grãozinhos um a um, levando a boca. É fundamental ter paciência para a catação de grão e os aprendizados decorrentes deste momento.

dicaQuanto à postura Sylvia 4
Ao sentar a criança precisa ter os pés apoiados, porque a criança ainda não tem força no abdome para sustentar as pernas. Assim, cadeirões e vasos sanitários altos não são adequados. Neste caso é importante colocar um apoio para os pés.

dicaQuanto à relação bebê e adulto
Os momentos de cuidado e higiene fazem parte da construção de relação dos adultos com as crianças. É no cuidado que se estabelece a troca de olhares e o contato físico no entender da filosofia Pickler, todos os adultos empenhados na educação e cuidado dos bebês devem realizar as trocas, alimentação e higiene. Se uma turma de bebês tem um professor e um auxiliar é importante dividir o grupo em dois subgrupos e manter o adulto referencia (que cuida e educa) para o mesmo subgrupo.

Tempo de Creche – Como aconteceram os primeiros momentos da filosofia Pikler no Brasil?
Sylvia – desde 2007 a OSCIP Acolher, de Porto Alegre, vem divulgando no Brasil a filosofia da Dra. Emmi Pikler como estratégia de bom trato institucional, minimizando o sofrimento das crianças cuidadas em sistemas coletivos. Na capital gaúcha temos muito bons exemplos do que pode ser significativamente melhorado a partir de pequenas alterações cotidianas. Em parceria com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, a filosofia aplicada pela Acolher capacitou cerca de 300 educadores na Capital, na perspectiva de melhorar a interação educador/criança, investindo no toque, no olhar, na fala e no gesto. Essas capacitações deram origem a simpósios nacionais e internacionais, reunindo educadores, grandes nomes da Rede Pikler no mundo e simpatizantes da abordagem. Os governos municipal, estadual e federal precisam entender a importância das políticas públicas de prevenção precoce, abandonando a ideia que se trata de um gasto e entendendo como o melhor investimento para as gerações futuras. A experiência de Lóczy nos ensina que apesar dos nossos conflitos podemos cuidar de crianças pequenas com qualidade e competência e buscando alcançar o futuro potencial, com olhar carinhoso, daqueles que se encontra em situações de vulnerabilidade afetiva.

Para saber mais
A filosofia Emmi Pikler representa um novo olhar, criando um ambiente e conjunto de ações que permitem o desenvolvimento de cidadãos com valores e estrutura emocional para vivência qualificada em família e na sociedade. Emmi Pikler, pediatra húngara, desenvolveu a observação de bebês, atividade que ocupou toda a sua vida. Realizou  estudos que fundamentam o papel essencial que a atividade livre e espontânea do bebê representa em seu desenvolvimento. Sylvia 7Descobriu o quanto um bebê tem prazer e interesse neste tipo de atividade e como ele aproveita as novas possibilidades oferecidas por seu próprio desenvolvimento sensório motor. Com isso, progredindo a cada dia, a pequenos passos, em suas capacidades e descobertas, ao ritmo de seu próprio desenvolvimento. Para Pikler, cada passo precede e prepara o seguinte, num processo contínuo e em uma ordem determinada.

Balão-Para-Saber-MaisLeia também Palavra de… professor de professor da Educação Infantil: Paulo Fochi; Educação de 0 aos 3 anos: contribuição de Emmi Pikler

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Opções de leitura:

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1822462036Sylvia Nabinger Assistente social, doutora em direito de família, especialista em saúde mental, terapeuta de casal, perita judicial e fundadora da Oscip Acolher.

2 comments

acho que é preciso os professores investirem no que acreditam, um bom professor tem que observar seus alunos, tem que olhar pra eles, saber entender e ouvir cada necessidade. investir no toque, na fala e no olhar.
ser professor é algo mágico e apaixonante. quando se ama o que se faz fica fácil ter esse olhar atento para o seu aluno. adoraria participar deste simpósio que ocorrerá em Florianópolis, porém devido a distância e ao custo não será possível. gosto muito de me manter informada e sempre que posso estou participando de cursos.

Penso que ainda temos um grande caminhar para que as ideias de Pikler façam sentido num contexto de professoras sem formação e ainda mais preocupante a dificuldade de encontrar disponibilidades nas mudanças necessárias par atender as crianças; usa-se a desculpa de que não dá pra fazer isso tendo como proporção 6 crianças para 1 adulto (bebê até 18 meses). Fomentar discussões que possibilitem mudanças quando se pensa enquanto um trabalho no coletivo é ainda um desafio. Precisamos descolonizar nosso olhar e nossas práticas.

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