Palavra de… Zilma de Oliveira: a importância da formação continuada do professor

Palavra de… Zilma de Oliveira: a importância da formação continuada do professor

O balanço do ano pode apontar a necessidade de rever nossos aprendizados como educadores. Buscar formação continuada, cursos e grupos de estudos são formas de remexer em conteúdos adormecidos e despertar para novas abordagens. Quais são os pontos frágeis na formação do pedagogo em relação à Educação Infantil? A educadora e doutora em Psicologia, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, coordenadora do curso de pós-graduação lato sensu Gestão Pedagógica e Formação em Educação Infantil do Instituto Vera Cruz, em São Paulo,  conversa com o Tempo de Creche sobre a importância da especialização para o profissional da Educação Infantil.

Tempo de Creche – Você acha que a graduação em Pedagogia contempla de modo satisfatório a Educação Infantil?


Zilma –
O curso de especialização tem sido uma experiência produtiva especialmente porque a graduação em Pedagogia dá pouca atenção para a Educação Infantil. A pessoa que faz o curso de Pedagogia é mais preparada para o ensino fundamental das primeiras séries. Nesse sentido, os novos pedagogos saem com a impressão de que trabalhar com as crianças pequenas é fazer a mesma coisa só que “mais facilzinho”.  Não é desse jeito!

Tempo de Creche – Você pode dar um exemplo?

professora-estudandoZilma – Há muito tempo fiz uma pesquisa para o MEC em que visitamos as redes municipais. Numa delas, o currículo estabelecia que até tal idade a criança aprendia a contar até 18. O que é isso? Por que 18 e não 17? Ou qualquer outro número! Não tem nenhuma lógica. Como os mais velhos podem contar até o infinito, proporcionalmente, os pequenos poderiam contar até 18…

Tempo de Creche – Como você vê a formação continuada em Educação Infantil hoje?

Zilma – Hoje, a Educação Infantil é muito rica de novidades em estudos e pesquisas. O curso de especialização, além de trazer esse olhar novo sobre a criança, traz uma metodologia de aprimoramento da própria prática. Para isso, é necessário que o grupo de alunos da especialização seja acolhedor.

Tempo de Creche – Em que sentido esse acolhimento acontece na prática?

Zilma – De início nenhum dos alunos quer falar, pois é se expor e demonstrar a própria fraqueza. Depois, todo mundo quer falar sobre a diretora da instituição em que trabalha: – a minha diretora é a pior do mundo etc.. O grupo precisa confiar para poder falar.  É importante problematizar não somente as dificuldades, mas também o sucesso: por que será que deu certo? (no sentido de porque as coisas tiveram uma riqueza, um envolvimento das crianças). Porque será que aconteceu tudo isto? Ou ao contrário, por que será que as crianças pouco se envolveram? Por que será que muitas ficaram só chorando? Por que será que a professora perdeu a paciência?

Tempo de Creche – Você está falando que é importante ter um espaço coletivo, de estudo e encontro de professores?

professoras-refletindoZilma – Sim, por isso a gente tem um espaço grande presencial. O curso à distância funciona muito bem para as profissões técnicas e mais autônomas. No caso da Educação Infantil, acreditamos que é preciso ser mais o presencial do que à distância.

A heterogeneidade do grupo serve como treino para que cada aluno aprenda a conviver com quem pensa diferente de si. Na mesma turma temos professores do poder público, diretas e conveniadas, de escolas particulares, mais simples, mais tradicionais, progressistas. Também  pessoas de outras áreas, como ONGs, editoras e outras encantadas com a infância.

Tempo de Creche – Quais pontos frágeis do currículo da graduação precisam ser contemplados em cursos de formação continuada?

Zilma – Estamos enfrentando mudanças em alguns paradigmas. Um deles é a mudança na relação adulto X criança. No passado o espaço do adulto era separado do da criança: criança é lá fora no quintal e não me perturbe. As crianças ficavam muito felizes, aprontando, mas distantes das discussões dos adultos. Conversa de gente grande é conversa de bete grande. O vemos hoje, são crianças e adultos que moram e convivem no mesmo espaço, olham a televisão junto com os pais. Então, desde muito cedo as crianças começam a falar com a linguística dos adultos. Minha neta falava assim: bizarro! Ela aprendeu em uma novela. Perguntei: o que é Bizarro? Ela respondeu: bizarro é uma coisa esquisita, porém engraçada.

As crianças hoje se movem num contexto de aproximação com as questões dos adultos. Assim, temos que abandonar a ideia de que o conteúdo adulto precisa ser passado para a criança. Hoje trabalhamos com a ideia do ensino na perspectiva das crianças. Isto é muito mais frequente na Educação Infantil, mas também funciona com o Ensino Fundamental e Médio. Não é que deixamos de ensinar, ou que isso seja menos importante agora. Nossa importância está em entender o que a criança está dizendo. O que era considerado uma boa professora antigamente? Aquela que falava bem, com clareza e que explicava bem a disciplina.

Hoje o bom professor tem um olhar sensível para entender o que está se passando com cada aluno, sem ser psicólogo. Atento à maneira como o aluno fala, a origem do pensamento e os seus gestos. Perceber o outro é uma qualidade do professor.

Tempo de Creche – Então é preciso desenvolver o foco na criança na formação continuada de professores?

Zilma – Sim, a gente trabalha isto. Outro dia, uma professora de Campinas fez um depoimento surpresa com a admiração dos alunos da pedagogia em relação às falas das crianças serem tão interessantes. A questão não é a graça das falas infantis, mas o pensamento que está por trás. Portanto, quando a criança fala, eu não posso rir. Se eu rir, eu digo que aquilo é piada. Então, o que eu digo? Posso até não dizer nada, que é uma grande saída. Ou respondo o que ela está perguntando.

Tempo de Creche – Como os professores tem relacionado a teoria com a prática?

professora-estudando-2Zilma – Um ponto importante é compreender a ligação da teoria com a prática. Por exemplo, numa discussão teórica os alunos leem um texto em que a criança é chorona e só queria atenção. É um caso comum. Mas se só essa discussão ficou na cabeça do aluno, e foi o único texto lido a respeito disso, ele generaliza como regra: toda vez que uma criança chorar, o professor vai achar que é falta de atenção. É uma ligação falsa entre a teoria e a prática.

 

Tempo de Creche – Além disso, qual outro ponto importante você destaca?

Zilma – Outro ponto é pensar nas crianças da Educação Infantil do mesmo jeito que se pensa nas maiores: por que ele não presta atenção? Por que ele não fixa o olhar? Por exemplo, no momento da história, muitas crianças prestam atenção e muitas outras ficam andando.

Outro aspecto dessa questão é a diferença de idade entre as crianças menores em comparação com as diferenças entre as mais velhas. Uma de dois anos e dois meses e a outra de dois anos e onze meses são, entre si, muito mais diferentes do que uma criança de 9 anos e um mês e outra de 9 anos e onze meses. Porque a sociabilização vai aproximando conforme as crianças vão crescendo. Não fica tudo igual, mas aproxima. Então, não é equivocado propor a mesma atividade para grupos de crianças de 9 anos e avaliar quem fez e quem não fez, porque eles são mais próximos. Mas quando propomos a mesma coisa para duas crianças de dois anos com alguns meses de diferença, estamos equivocados, porque uns vão fazer, outros não vão. Nessa fase as crianças possuem ritmos diferentes e são mais heterogêneas em seu desenvolvimento.

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zilma-de-oliveiraZilma de Moraes Ramos de Oliveira é licenciada em Pedagogia e doutora em Psicologia pela USP. Professora-associada (aposentada) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP. Coordenadora do curso de  pós-graduação lato sensu Gestão Pedagógica e Formação em Educação Infantil, do Instituto Vera Cruz.

 

4 comments

Fique sempre um sabor de quero mais os posts!
Gostaria de mais sugestões de como trabalhar a questão de atividades diversificadas em grupos de crianças de diferentes idades.

Oi, Raquel,
obrigada pelo retorno. Que tal dar uma olhada na postagem: Dicas para planejar e preparar Cantos de Atividades Diversificadas, para começo de conversa? Conte sobre o seu grupo e suas necessidades! Assim podemos pesquisar melhor e indicar mais com mais propriedade, certo? Fique atenta que “está no forno” uma postagem para este início de férias com turmas multi-etárias. Abraço

Infelizmente, nossos cursos de Pedagogia, ainda deixam muito a desejar com relação aos saberes e metodologias que precisam fazer parte da organização das práticas pedagógicas com as crianças na Educação Infantil. Nosso olhar se modifica constantemente a partir da observação e do registro. Mas, o que fazer com este rico material de reflexão?. Nós profissionais da Educação Infantil precisamos estar atentos às singularidades plurais de cada criança para que possamos promover experiências significativas e portanto, prazerosas.

Olá, Lúcia
Obrigada pelo seu retorno e suas reflexões. Pensamos o blog como um espaço/convite aos leitores de compartilhamento e diálogo. Estamos abertas a sugestões e indicações de temas. Abraço

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