Cibele Racy é diretora da EMEI Nelson Mandela, pré-escola da cidade de São Paulo. Ela faz um trabalho revolucionário, transformando a instituição em exemplo de educação inclusiva e competente. Cibele deu um depoimento sensível e contundente para o programa Conversa com Bial que precisa ser compartilhado com outros educadores e ficar registrado no Tempo de Creche.
Apesar das diversas postagens publicadas sobre a diretora, abordar mais um pouco da sua história traz inspiração.
Cibele conta que assumiu o cargo há mais de 12 anos na Nelson Mandela, quando a escola era vista como instituição de educação para quem não tinha outra opção. Desde o início de sua gestão, Cibele ouviu… ouviu as crianças, ouviu os professores, ouviu as famílias e ouviu a comunidade!
A escuta atenta não ficou no “acolhimento de lamúrias”! A diretora refletiu sobre as críticas e os desejos, priorizou as solicitações, planejou os encaminhamentos e começou pelos banheiros!
Sim, é isso mesmo: pelos banheiros!
Ao ouvir as crianças e suas famílias, descobriu que a escola era feia, mal conservada e que os banheiros poderiam ser iguais aos dos “shoppings centers”!
A nova diretora buscou recursos e reformou os banheiros que ficam no refeitório, próximos à entrada da escola. Colocou tampo de mármore nas pias, torneiras automáticas, degrau para as crianças lavarem as mãos confortavelmente, ladrilhos decorados e portas de alumínio.
O local virou a sensação da comunidade escolar! Nunca se fez tanto xixi!
As crianças visitavam o banheiro com frequência e os familiares, que traziam e buscavam os pequenos, estavam sempre “apertados”!
A comunidade escolar começou a frequentar a escola e a dialogar com a Cibele que pode fazer mais descobertas: quais realidades precisavam ser transformadas? Quais mitos precisavam ser quebrados? O que era preciso fazer para estabelecer uma imagem de polo de educação e cultura aberta à comunidade?
Ao longo dos anos, questões de preconceito racial foram enfrentadas e trabalhadas, a cultura do entorno foi estudada e integrada aos projetos, e o time de professores ganhou voz, formação e espírito de comprometimento com o projeto da diretora.
Hoje a EMEI Nelson Mandela é frequentada pelos moradores da comunidade, pelas famílias das crianças e é buscada pelos professores da rede que se consideram privilegiados por integrar sua equipe pedagógica. Mas o trabalho é árduo e incessante! Os tempos e as crianças mudam, e o trabalho pedagógico acompanha. Ninguém descansa, mas o clima de realização está no ar!
Transcrevemos o depoimento da Cibele Racy e aconselhamos assistir ao vídeo do programa – Conversa com Bial – clique aqui.
Por uma infância sem preconceito e racismo
“Em 2004 quando eu cheguei a EMEI Nelson Mandela, ela não era reconhecida pela comunidade como um território de aprendizagem e de troca. Exatamente por este motivo construímos novos espaços e projetos. Quando resolvemos fazer a primeira festa afro-brasileira no lugar da festa junina, que é a celebração mais comum do mês de junho, finalmente sentimos vínculos afetivos sendo criados com os pais e as crianças. Todos se sentiram representados e reconhecidos aqui dentro.
Aí mudou a relação com a escola. E ao mudar essa relação, a participação das famílias começou a acontecer.
O trabalho com a diversidade vais além das festas. Trabalhar com a diversidade significa também compartilhar poderes. Poderes pequenos, mas ainda assim, poderes!
Na Nelson Mandela temos o projeto “Diretor por um dia”, em que uma criança por turma assume o papel de diretora por um dia. Elas têm a liberdade de circular por toda a escola para observar, anotar/desenhar os problemas e as coisas legais que observam. Depois, fazemos uma reunião, conversamos e pensamos em como solucionar os problemas. Elas aprendem a elaborar suas questões, coloca-las no grupo, ser ouvidas e ouvir o outro.
Um dia, se eu pudesse realizar um grande desejo profissional, seria acabar com a crença de que criança pequena não tem competências e habilidades. O desempenho delas nesta função [de “diretor”] prova o contrário.
A experiência se dá em quatro passos: primeiro, as crianças não sabem o que fazer. No segundo momento, elas começam a se organizar e a tomar decisões. No terceiro passo, elas participam da vida da escola além da sala de aula. Finalmente, esta experiência é comentada em casa e contagia a família!
A tendência dos adultos de subestimar a competência das crianças tem influência na autoestima e, consequentemente, nos resultados que ela atingirá no futuro. Por isso, não há como o currículo para uma criança de escola pública ser diferente do currículo para uma criança de escola particular. O que está em jogo não é se ela vai aprender ou não, é como a escola vê a criança: capaz ou não capaz. Nossa luta é que a escola pública tem o dever de ser igual ou melhor do que qualquer outra escola do país.
Por que melhor?
Talvez porque estas crianças vivam em ambientes não tão provocativos quanto os demais. A excelência aqui tem que ser um objetivo. A excelência na escola pública tem que ser um objetivo!”
Para saber mais sobre a EMEI Nelson Mandela, leia no Blog Tempo de Creche:
- Portfolios: histórias da vida real
O registro das crianças pequenas é o desenhoBaralho Corporal para desafiar o corpo
Cultura brasileira na Educação Infantil: como fazer essa conexão?