O que crianças pequenas entendem sobre projetos?

O que crianças pequenas entendem sobre projetos?

Temos o hábito de nomear “projeto” as atividades ligadas a uma temática comum como, por exemplo, Projeto Teatro de Sombras, Projeto Lagartixas e Lagartos, Projeto Construindo Cidades, Projeto Horta, Projeto Bumba meu boi etc.. Mas…
…será que são mesmo “projetos”?

desenho de foguete

Balão-na-PráticaRefletindo a partir da prática, vamos imaginar que um grupo de crianças se interessa pela Lua (por meio de uma história, um filme, uma conversa na roda, a Lua que se mostra no céu do dia etc.). O professor percebe, registra e planeja intervenções para ampliar descobertas:

Balão-Dúvida-pOnde fica a Lua? Perto, longe …
Como ela é? Qual a sua cor?
O que tem lá?

Neste processo as crianças levantam hipóteses e demonstram um crescente interesse pelo assunto. O professor propõe pesquisas na internet, em livros, atividades com texturas e cores da Lua, conta histórias e promove desenhos, entre outras possibilidades.

Nas colocações e discussões dos participantes (crianças e professor), surge a curiosidade de como chegar à Lua e, entre propostas como aviões, objetos que voam e asas, a ideia de construir foguetes é a mais aceita.

Balão-Dúvida-pQual o percurso dessa aprendizagem?

visita ao PlanetárioNovas pesquisas direcionam desenvolvimentos e a sequência didática se transforma num projeto de Como é o céu à noite. Famílias são envolvidas e participam nas investigações noturnas em casa. Uma visita ao Planetário é planejada para aprofundar os conhecimentos e o interesse dos pequenos. Uma exposição dos registros das pesquisas é combinada entre os participantes, para mostrar a todos o quão interessante é o assunto. E esse poderia ser o produto final de um projeto que talvez  levasse muitos meses até se esgotar.

Balão-Dúvida-pPor que denominamos, então, um percurso como esse de “projeto”?

exposição Coisas do CéuO grupo hipotético de crianças, a certa altura dos desdobramentos, sabe o que está sendo pesquisado, compreende o percurso das investigações e porque está elaborando e produzindo conteúdos, brincadeiras e materiais:

  • para conhecer mais sobre a Lua
  • para investigar como é o céu  à noite
  • para fazer uma exposição para compartilhar o que foi descoberto.

Conhecer os porquês do projeto é uma possibilidade entre as crianças a partir de 3 ou 4 anos.

Foguetes de papelãoPor outro lado, vamos imaginar que o interesse na Lua começasse num grupo de crianças de 2 anos. O professor propõe desafios e persegue os desdobramentos propostos pelo grupo. Mas, em certa altura, o que era um interesse pela Lua se transforma no interesse pelos foguetes e, ao construi-los com caixas de papelão, as crianças permanecem na pesquisa da própria construção, e a Lua e o foguete já não cativam mais.

construção de caixas de papelãoJá aconteceu algo parecido com você e seu grupo?

Continuando nesta hipótese,  as construções são ampliadas para um trabalho com caixotes, caixas pequenas, jogos de montar entre outros materiais, para atender o ímpeto “construtor” dos pequenos.

Balão-Dúvida-pSerá que temos um projeto nesta situação hipotética?
As crianças têm consciência da sequência de investigações e constroem objetivos a serem perseguidos com a pesquisa?

Achamos que não!
O grupo em questão desenvolveu um episódio de pesquisa, segundo Reggio Emilia, e o percorreu por meio de sequências didáticas – ou atividades encadeadas contornadas por um mesmo tema.

Balão-Dúvida-pEntão, as propostas para os menores de 3 anos são ou não são “projetos”?

Teatro de SombrasSegundo alguns autores, Projetos são compostos por sequências didáticas com produtos/descobertas/resolução de problemas, definidos inicialmente ou ao longo do processo, com objetivos claros para TODOS os participantes – educadores e crianças. Desse modo, o Projeto Teatro de Sombras, poderia ter como objetivo uma encenação elaborada pelas crianças a partir do interesse na pesquisa deste tipo de arte dramática, mediada pelos desafios propostos pelo professor. Sendo assim, no caso dos projetos – ou “percursos investigativos“, como gostamos de chamar – as crianças têm claro o(s) objetivo(s) e/ou produtos produzidos no percurso. No caso do Teatro de Sombras, por exemplo, seria a encenação.

Balão-Dúvida-pSerá que crianças muito pequenas, por volta de 2 anos, compreenderiam que estão vivenciando um projeto?

Dificilmente! Em geral, elas atuam no passo a passo, sem ainda compor uma ideia de objetivo final ou “onde queremos chegar com esta investigação?”. Assim, alguns autores acreditam que não é apropriado falar em projetos para essa faixa etária, e sim considerar as investigações como sequências didáticas em torno de um tema de pesquisa.

Outra situação comum dessa faixa etária é a mudança de interesses, que geralmente se desviam da temática inicial.
Reggio Emilia adota os conceitos episódio e projeto. Nas escolas emilianas os projetos correspondem aos percursos mais duradouros, com propósitos claros e e estabelecidos pelos grupos. Episódios são as sequências didáticas em torno de interesses específicos das crianças, que têm curta duração.

Balão-Dúvida-pPor que é importante ter consciência sobre estes conceitos? 

Não é uma mera escolha de palavras para definir a mesma coisa. Cada um dos termos  se apoia em conceitos pedagógicos que orientam as práticas e as reflexões dos professores.

AGORA FICA A PROPOSTA…
A partir dos exemplos e da fundamentação, que tal pensar nas situações do seu cotidiano com as crianças e compartilhar conosco suas reflexões sobre este tema? Envie seu relato para nosso e-mail (www.tempodecreche.com.br) ou pelo espaço para contato na página inicial do blog!

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Balão-Para-Saber-MaisFalamos sobre Projetos nas postagens:

Leia sobre as experiências de uma das nossa leitoras em Passeio é possível! Veja as experiências da leitora Luana

Balão-crédito-imagensCréditos das imagens desta postagem na ordem em que foram publicadas:

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  • www.ladecasa.blog.br

3 comments

O uso da palavra “projeto” é mais um “inglesismo” que se incorporou ao nosso idioma e que não produz corretamente o sentido quando transportado para o português. PROJETO (“design” em inglês) significa uma diretriz (um plano, um desenho, um descritivo) de um TRABALHO (“project” em inglês) a ser realizado e não o trabalho em si. O projeto não é o trabalho. O projeto antecede o trabalho.

Como se pode observar está se fazendo mau uso do termo e podendo isso se tornar um complicador no caso de crianças pequenas que ainda têm certa dificuldade de lidar com o subjetivo. Embora em algumas ocasiões o projeto se confunda com a realização (especialmente no caso de trabalhos executados com pressa) precisamos ter em mente que isso NÃO faz com que uma coisa se transforme em outra. A longo prazo a fusão desses dois conceitos (projeto e realização) pode vir a se tornar um assunção de que planejamento é algo desnecessário, coisa que, diga-se de passagem, em nosso país já possui uma certa raiz cultural.

Enfim, a utilização da palavra “projeto” para designar um “trabalho” a ser realizado (seja uma mídia, um objeto ou um evento) é uma subversão do termo. Embora semelhantes em grafia “project” e “projeto” não são diretamente intercambiáveis tratando-se essa “tradução” na realidade de um falso cognato (palavras de dois idiomas que possuem grafia semelhante mas com significados distintos).

Embora com um pouco de forçação de barra “project” ATÉ POSSA ser usada como “projeto”, no meu entender, em português, a palavra “trabalho” deveria ser utilizada pelos educadores já que esta designa muito melhor o significado das tarefas escolares.

São essas pequenas distorções que no dia-a-dia vão desconstruindo a cultura de um povo…

Olá Yan!
Obrigada pela colaboração.
Realmente projeto, pelo Michaelis é um plano a ser executado. E é esse o sentido que foi utilizado no texto: um conjunto de atividades (planejadas!) para construírem pesquisas sobre um tema. Talvez o “planejamento” não ficou explícito mas temos conhecimento de que as ações do professor com suas crianças partem de planejamentos.
Apesar da adaptação dessa palavra para nossa língua, os significados e os conceitos por traz dela já tem sido utilizados na Pedagogia até para definir metodologias. Acho que importamos a palavra e, com o uso, a tornamos nossa! É a cultura viva.
Abraços!

Exato!

São essas “importações” feitas de forma leviana que podem causar confusões. Veja que o próprio dicionário não reconhece o sentido “novo” da palavra!

O fato de o termo ser empregado (e aceito – argh!) na Pedagogia e em outras metodologias não diminui o erro do mau emprego. Tenho visto esse tipo de corrupção da língua ocorrer em outras áreas igualmente importantes, como é o caso de “behaviorismo” (uma vertente da Psicologia) que na minha opinião é um dos termos mais absurdos que eu já me deparei. Trata-se de um aportuguesamento do termo original em inglês e que deveria ter sido portado para nosso idioma exclusivamente como “comportamentalismo” que é o que significa. Em geral eu enxergo essas “adaptações” como mera preguiça (ou mesmo desconhecimento da língua) por parte dos técnicos que importam os métodos sem se dar ao devido trabalho de adaptá-los corretamente à cultura que os está recebendo.

Concordo que a cultura é viva, mas nem por isso temos que matar as suas origens. Hoje existe uma tendência muito grande a se aceitar como bom o inglesismo (ou americanismo?) em todas as suas formas em detrimento da nossa própria cultura. O resultado se vê na grande maioria dos jovens que praticamente desconhecem sua própria língua, falam errado, escrevem errado, não conjugam nada com nada.

Eu sou professor, tenho dois cunhados professores, e observo que no mais das vezes o sistema de ensino (especialmente os profissionais) e as famílias têm sido os maiores responsáveis por essa deterioração, por preferirem não se envolver na formação desses seres humanos e deixando que o “meio” em que habitam cumpra essa função. Pessoalmente não concordo com essa posição, pois se isso fosse o melhor então não haveria o porquê de haver instituições de ensino e nem orientadores.

Ainda, argumentando em favor de minha tese de que necessariamente NÃO precisamos aceitar tudo o que vem de fora, uso como exemplo o termo “computador” praticamente aceito universalmente mas que no francês ainda mantém sua própria forma que anda na contramão do consenso: “ordinateur”. Ora, a língua portuguesa é muitíssimo mais rica em termos de verbetes do que o inglês, temos palavras que diferem entre si por pequenas sutilezas, temos uma fantástica coleção de termos para representar tudo, então, pergunto: por que ao invés de fazermos uso de nossa própria língua temos que absorver inglesismos através da criação de termos bizarros, ou, pior, admitir que palavras como “projeto” sejam destituídas de seus significados originais?

A resposta é fácil de enxergar para mim: trata-se apenas de simplificar pelo achatamento cultural. Acho triste que a Educação tenha se tornado tão flexível ao ponto de um educador conseguir encontrar formas de justificar um erro que fere diretamente a Cultura da qual deveria ser defensor.

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