Percurso investigativo: o desenho e a zona proximal de desenvolvimento

Percurso investigativo: o desenho e a zona proximal de desenvolvimento

Encontramos um relato interessante sobre o desenho infantil na faixa dos 3 a 4 anos, lendo a dissertação de mestrado da professora Vanessa Marques Galvani. Ao refletir sobre registros e produções de duas crianças em particular, a professora buscou apoio no conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky,  planejou intervenções e colheu resultados significativos.

Vanessa estava pesquisando a fotografia como suporte para a elaboração de documentação pedagógica, quando percebeu nos registros fotográficos de sua turma algumas particularidades no desenho de dois de seus alunos. Ela notou que o Artur (nome fictício), apesar de reconhecer algumas partes do rosto humano na sua própria fotografia, ainda não conseguia desenha-las sozinho. Já Clara (nome fictício), tranquilamente demonstrava através de seus desenhos uma figuração mais estruturada.

Exercicio de autoretrato Arthur

A partir da leitura das produções das crianças e dos registros realizados durante os momentos do desenho, Vanessa identificou que Artur conseguia desenhar algumas partes do seu rosto. Mas, em comparação com os desenhos de Clara, ainda faltavam algumas estruturas. Isso indicava que o menino estava numa zona de desenvolvimento proximal no desenho da figura humana. Partindo desse olhar, planejou estratégias pedagógicas para provocar Arthur e promover o desenvolvimento do seu desenho.

Como Vygotsky nos ajuda a entender esse processo?

Para o psicólogo bielorrusso Vygotsky, existem dois níveis de desenvolvimento infantil.

Exercicio de autoretrato ClaraQuando a criança é capaz de realizar uma determinada ação de forma autônoma, sem nenhum auxílio, ela se encontra zona de desenvolvimento real. Este nível é o resultado de processos de aprendizagens já adquiridas e conquistadas pela criança.

Por outro lado, existem ações que a criança consegue alcançar somente na interação com outra criança ou adulto. Precisamente, a distância entre o que a criança já sabe fazer sozinha e aquilo que ela pode saber ou conquistar na interação, é que reside o segundo nível de desenvolvimento apregoado por Vygotsky e batizado por ele como zona de desenvolvimento proximal.

Nas escolas é costume avaliar a criança a partir daquilo que ela é capaz de realizar sozinha. Entretanto, a interação social e a colaboração dos outros  também podem revelar sua competência e as possibilidades de conquistar mais aprendizados.

Exercicio de autoretrato

Outro aspecto relevante…

A criança, ao interagir com outra criança que possua habilidades diferentes das suas, não somente a imita ou reproduz seus feitos. Quando observa as diversas formas de agir e fazer, ela também se questiona. Essa interferência afeta significativamente o seu desempenho.

Ainda segundo Vygotsky, a imitação não é mera cópia de um modelo, mas sim a reconstrução individual daquilo que é observado nos outros. Durante esta reconstrução, a criança cria algo novo e pessoal.

Portanto, Vygotsky não via a imitação como a reprodução de uma atividade e um ato mecânico, mas sim como uma oportunidade da criança realizar ações que estão além de suas próprias capacidades no momento.

Por isso é importante avaliar o que a criança pode aprender no futuro e transformar esse levantamento no foco do trabalho do professor, que deve planejar desafios adequados às zonas de desenvolvimento proximal de suas crianças.

Arthur desenhando seu autoretrato após ajuda da Clara

A contribuição dos registros

O registro fotográfico das ações de Arthur e Clara foi um elemento que possibilitou à professora Vanessa perceber o desenvolvimento das duas crianças e propor momentos para que desenhassem lado a lado, com uma fotografia do próprio rosto fixada em local visível.

Posteriormente, ao analisar as fotografias e os desenhos obtidos nessa nova situação – com Clara e Arthur desenhando na mesma mesa – Vanessa verificou que Arthur elaborou o seu autorretrato com formas mais definidas, identificando e nomeando as partes do seu rosto no próprio desenho.

Exercicio de desenhar

Já Clara desenhou seu próprio rosto com detalhes, procurando fazer um retrato parecido com aquele que serviu de modelo. Clara, visivelmente, possui uma grande habilidade para desenhar e reconhecer as partes do rosto humano.

Ao longo do processo, a professora Vanessa registrou, analisou, comparou e refletiu sobre sua turma e o desenvolvimento individual de cada criança. Buscou apoio na fundamentação de Vygotsky, e encontrou caminhos para promover intervenções adequadas. Compôs uma documentação pedagógica que evidenciou as histórias do cotidiano de seus pequenos. Concluiu que Arthur se beneficiou da interação com a amiga Clara e que as duas crianças experimentaram trocas e aprendizados. Nessa jornada, Vanessa também cresceu em sua prática e essa experiência certamente terá reflexos em sua vida como professora.

Autoretrato de Arthur após ajuda da Clara

Para saber mais

Dissertação de mestrado Uma nova lente para o professor: Potencialidade da fotografia como dispositivo de pesquisa para ações pedagógicas, da professora Vanessa, foi abordada no artigo A fotografia para além do registro: um olhar ampliado pelas imagens e os conceitos de Vygotsky gerando novas possibilidades de intervenção pedagógica – Vanessa M Galvani (orientadora: Mirian Celeste Martins), 2014.

Vanessa fez sua pesquisa quando trabalhou como professora na Escola Primeira, SP.

Aprofundamos sobre desenho nas postagens:

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Vanessa Marques GalvaniVanessa Marques Galvani

Mestre em Educação, Arte e História da Cultura e Pedagoga formada pelo Mackenzie, com experiência de 15 anos trabalhando com Educação Infantil. Possui um blog sobre maternidade e infância (blogmamadora) e é membro da Associação de Disciplina Positiva dos EUA e ultimamente trabalha fazendo workshops e palestras para pais e professores sobre a disciplina positiva.

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