Palavra de… Denise Nalini: cantos de atividades e as tomadas de decisão da criança

Palavra de… Denise Nalini: cantos de atividades e as tomadas de decisão da criança

A proposta de cantos de atividades diversificadas tem ocupado espaços nos textos referenciais de vários municípios e tem sido frequentemente trabalhada em ações formativas para professores da Educação Infantil. Vamos conhecer o porquê com a Doutora em Educação e formadora, Denise Nalini.

Tempo de Creche – Pode falar sobre as atividades de cantos diversificados?

Denise Os cantos vêm da ideia de uma criança ativa.

Na história da Educação Infantil, os cantos nasceram com Decroly (médico e educador belga, 1871 a 1932) e com a contribuição teórica do pedagogo alemão Fröbell (1782 a 1852) e os cantos do trabalho de Freinet (1896\1966). Todas estas pedagogias trazem a ideia de não trabalhar com uma única atividade.

Shangri-la 5

As propostas nascem da perspectiva de considerar a singularidade de cada criança, que é capaz de escolher entre algumas possibilidades, porque elas têm interesses próprios.  Em resumo, dar à criança opções.

Esta criança constrói, no sentido psicológico, um percurso de aprendizagem que está nela. A ideia de cantos de atividades diversificados – que acabou ficando com este nome – vem da perspectiva da singularidade e da capacidade da criança. O lastro teórico é esse. Ao propor essa perspectiva de trabalho é preciso considerar e aliar os estudos atuais que pensam quem é a criança de hoje.

Canto 2A própria neurociência mostra que o bebê já consegue escolher. Os processos de decisão e de escolha ampliam a capacidade intelectual psicológica das crianças. Esta proposta tem, então,  o lastro do aumento da capacidade de escolha, um aspecto fundamental no nosso contexto.

O que se observa normalmente na Educação Infantil são as atividades únicas com 35 crianças (em EMEI, com 4 a 5 anos). Quem embarca na proposta, desfruta, mas quem não tem interesse, fica de fora. Isso é muito ruim porque vamos tendo perdas. Assim, os cantos tem a perspectiva de inserir a criança num contexto mais atual, que é o da tomada de decisão.

Quando esta ideia aparece lá no século XIX, era revolucionária. Surge na Europa, no processo de industrialização, onde não era mais possível um trabalhador só ficar apertando um botão. Tinha que pensar.

A proposta de cantos de atividades está contextualizada numa perspectiva contemporânea, de um sujeito que, desde muito cedo, aprende a selecionar informações, tomar decisões e negociar. É viver a vida no coletivo e resolver conflitos.

Tempo de Creche – Além da tomada de decisão, quais processos podem ser desenvolvidos com esta proposta?

Canto 6Denise – Além das escolhas, os cantos possibilitam um trabalho com o eixo dos jogos simbólicos, promovendo a aprendizagem de selecionar, decidir e ter foco no meio do caos. Por exemplo, quando eu trabalho um texto na internet e alguém me chama no ‘wat zap’, eu vou olhar, nessa situação, eu já perdi o foco do que estava fazendo. Faço isso porque na minha educação não tive oportunidades de escolhas, não desenvolvi a possibilidade de lidar com a seleção. Essa habilidade não era um valor no meu tempo escolar. Os valores eram esperar, obedecer e executar tarefas dadas por outros. Hoje a sociedade demanda habilidades como selecionar, criar, trabalhar em grupos operativos, pensar e resolver problemas. Então trabalhar nessa proposta está muito mais vinculado a demanda atual de educação.

Além destes objetivos, os cantos dão a oportunidade da criança também ficar só. Isto é fundamental. Aconteceu alguma coisa, a criança está mais triste e quieta, ela precisa de um tempo para se isolar de tudo. Nos cantos de desenho, por exemplo, tem criança que chega, não fala com ninguém e fica um tempinho ali. Ela precisa disso para se auto-organizar. Se o professor não tem essa perspectiva e não reconhece a necessidade, vai ter problemas com a criança durante todo dia.

Tempo de Creche – Qual a postura do professor durante a proposta dos cantos?

Canto 8

Denise – A proposta dos cantos diversificados é uma saída para o professor observar a singularidade quando tem uma turma com número muito grande de crianças. Desse modo, essa proposta passa também a ser um instrumento importante para a observação do professor, sobre quem é o seu grupo, como interagem, quem fica com quem, quem precisa de mais atenção. Tem crianças em que o padrão de resolução de conflitos é através do bater. Essa proposta é uma ótima oportunidade para se ficar junto, porque as outras crianças tem autonomia e estão fazendo outras atividades.

O professor também precisa partir da observação para planejar: vou fazer agora um canto de desenho, de casinha, um de recorte colagem, vou colocar três de jogos simbólicos e dois de arte.

Tempo de Creche – Como o professor pode planejar os cantos de jogos simbólicos e acompanhar o desenvolvimento das crianças?

Denise – O jogo simbólico está pautado na observação das necessidades das crianças em propostas anteriores. A avaliação da observação pode apontar a complexificação dos enredos que as crianças desenvolvem.

Canto 7A casinha é um canto que repetimos sempre porque tem uma necessidade humana por trás. Por quê? Porque todo mundo mora numa casa, tem uma família e este é um espaço que as crianças buscam para elaborar os problemas que vivem nas suas casas. É comum ver crianças com problemas de alimentação, que não comem nada, brincando de dar comida para o boneco. E falam cada coisa! Come, senão você vai ficar doente. E, assim, elaboram a questão do porque precisam comer.

O canto da casinha é um espaço que se mantém e vai desencadeando outras brincadeiras: viera mercado, banho do bebê. O professor vai ampliando o repertório e incorporando outros materiais pautado na observação das crianças.

Tempo de Creche – Então os cantos de atividades precisam ir mudando?

Canto 3

Denise – É preciso ampliar para funcionar. As crianças brincam de tudo, o brincar é da criança. Porém, dependendo do contexto as brincadeiras podem ser limitantes. Por exemplo, em comunidades com problemas de violência, as crianças brincam de policia e ladrão e de derrubar helicóptero: a gente se esconde e pá, pá, pá (tiros!), derruba o helicóptero! Isto é um brincar empobrecido. O professor precisa oferecer outras opções: brincar de médico, consultório médico e escritório são exemplos de ampliações. Essas propostas podem contribuir com o processo de leitura e  escrita. Montando um consultório médico, o professor organiza um aparelho de telefone e uma agenda para escrever o nome dos pacientes. A criança vai escrever do jeito dela, mas já é uma escrita inserida num contexto social e com significado, começo importante para o processo de alfabetização: saber que se escreve para comunicar algo.

Trabalhamos com um grupo de crianças que amavam brincar com tudo o que se relacionava com vendas, adoravam brincar com dinheirinho. Eles pegavam um pedacinho de papel e tchum, tchum (imitavam passar o cartão do banco no caixa eletrônico). Perguntamos, o que você está fazendo? Respondiam, estou passando o cartão. Então montamos uma caixa de papelão inspirada nos caixas eletrônicos, para enriquecer o processo de passar o cartão. Uma criança ficava atrás e liberava o “dinheiro”. Esta criação veio da observação e da pesquisa do professor. Outro exemplo é montar um canto de feira. Normalmente, quando organizamos essa brincadeira, o professor vai para a feira com as crianças e pesquisa como as barracas são arrumadas: se põe tomate junto com o chuchu, etc.. Na hora da brincadeira, o professor vai tematizando: faz o caixa, aquelas caixinhas com divisórias para arrumar o dinheiro separado. Introduzir isto no jogo faz toda a diferença.

Tempo de Creche – Então, na prática, como acontece essa intervenção do professor?

Denise – Podemos dizer que são duas grandes orientações. Uma que não é uma orientação direta no brincar da criança. É uma orientação indireta. É a organização do espaço, reservar um tempo na rotina para que isso aconteça, preparar os cantos, conseguir os materiais e deixar um espaço preparado para a brincadeira acontecer.

Canto 4A segunda orientação é de que o professor precisa ter uma atitude lúdica, brincante e se interessar pela brincadeira da criança. Estar aberto para participar não como dirigente, mas como participante. É muito comum as crianças fazerem um “bolo” e irem oferecer. Às vezes eu digo para elas, eu não posso comer bolo de chocolate, eu estou de dieta. Elas acham aquilo o máximo e perguntam: você quer bolo de quê? E eu respondo: quero bolo light. A criança volta para o canto, “cozinha” o novo bolo e traz de volta: olha o seu bolo! É uma questão de estar na brincadeira. Às vezes trazem o carrinho de bebê e dizem – Olha o meu filho?  Eu respondo, não posso olhar seu filho, eu não o conheço. Ou ainda respondo,  posso olhar seu filho, mas, e se ele chorar, faço o quê? É esta a atitude brincante de participação na brincadeira. Ela é muito enriquecedora e exige do professor um olhar e uma capacidade de estar brincando junto com as crianças, que é diferente de fazer um direcionamento da brincadeira.

Tempo de Creche – Pode dar um exemplo de  fazer orientações na brincadeira?

Denise – Fazer orientação é quando o professor apresenta a atividade e instrui: hoje nós vamos brincar de banho de boneca. Então ele dá três banheiras e diz: você brinca com esta, ela brinca com aquela, e vocês vão dar banho assim. Matou a brincadeira! Não há opção nenhuma. As crianças não podem nem se emocionar. Assim, quem é protagonista do enredo é o professor.

Balão-Para-Saber-MaisLeia mais sobre propostas que valorizam e respeitam a singularidade e os interesses da criança em:

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10421631_10206542708991363_7650286271652317646_nDenise Nalini é doutora em Educação na FEUSP – SP, coordenadora pedagógica no instituto Pró Saber, formadora no Instituto Avisa Lá e professora de pós graduação do Instituto Singularidades, SP.

9 comments

Amei a entrevista, contribuiu muito à minha prática. Minha rede de ensino organiza os cantos por eixo de conhecimento: Linguagem Oral e escrita, matemática, natureza e sociedade e canto simbólico. Temos essa metodologia de trabalho. Qual é o problema nesse contexto que já tem organizado sua estrutura de opções de atividades. Ainda que estejamos atentas aos interesses das crianças, alimentamos os cantos com o que percebemos da movimentação da turma, os cantos simbólicos são organizados a partir e com a ajuda do grupo, e ainda atrelamos os materiais dos cantos com o planejamento orientado pelo nosso curriculo. Obrigada, Graziela.

Olá, gostaria de saber qual a visão da Denise Nalini com relação ao desenvolvimento do trabalho com Cantos de Atividades e Projetos. Como integrar?

Olá, Débora. Obrigada pelo interesse. A postagem que você leu é resultado de uma entrevista com a Denise Nalini. Você poderia esclarecer sua questão ou dúvida que encaminharemos a ela. O que você quer dizer com integrar? Temos publicadas outras postagens que aprofundam este tema que podem ajudar a esclarecer: – Cantos de atividades diversificadas e Jogos heurísticos: muitas brincadeiras!; – Dicas para planejar e preparar Cantos de Atividades Diversificadas e – Um cardápio variado de cantos de atividades. Abraço.

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