Protagonismo Infantil em 4 falas

Protagonismo Infantil em 4 falas

campo de experiencias corpo trepa-trepaO PROTAGONISMO INFANTIL foi o tema que levantou mais comentários da série de postagens sobre o documento provisório da Base Nacional Comum Curricular . O documento provisório da Base não utiliza essa expressão como conceito central, mas como adjetivo de “PARTICIPAÇÃO” para ressaltar a escuta e a valorização da voz da criança.

Ao considerar as formas das crianças aprenderem, a “PARTICIPAÇÃO” foi transformada em direito:

PARTICIPAR, com protagonismo, tanto no planejamento como na realização das atividades recorrentes da vida cotidiana, na escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo linguagens e elaborando conhecimentos.

Assim, participar com protagonismo e fazer escolhas foram termos escolhidos para se aproximar da questão do protagonismo da criança. Porém, nos questionamos:

Por que não valorizar o conceito de PROTAGONISMO? O que o uso desse termo causa nos educadores que os fazem reagir de formas tão diversas?

Tempo de Creche foi atrás de algumas respostas para este questionamento e conversou com quatro educadoras e estudiosas da criança. Conhecemos diferentes caminhos que levam a pensar na escuta acolhedora dos interesses e pesquisas que as crianças trazem e na reflexão equilibrada do professor ao ponderar e dimensionar os desafios dos conteúdos mais importantes para serem trabalhados com suas crianças.

Como você explica o protagonismo infantil?

Para Alice Proença o protagonismo só pode ser visto em função de uma relação. Ora eu sou protagonista, ora eu sou coadjuvante. Ser coadjuvante significa que eu estou criando um meio para o outro poder ser o ator principal.

campo de experiencias identidade

A Denise Nalini parte para análise do termo: eu sempre penso no desmonte dos termos. A gente tem um monte de conceitos e eles não estão desmontados, desse modo, cada um entende o que quer. É assim que acontece com o protagonismo infantil. Entendemos a criança como capaz, no sentido da capacidade de aprender e de construir um conhecimento. Ela, enquanto criança, está em processo de formação e não tem condições de dizer “olha eu quero aprender isso e aquilo”. Ela precisa do olhar do educador para fazer a tradução de suas necessidades, que tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento e acompanhamento da criança.

Josca Barouk também segue pela definição do termo protagonismo: se entendermos a vida como um palco e a criança como o ator principal da sua vida, ainda assim não quer dizer que ela pode tudo e nem de que ela prescinda de atores coadjuvantes, do diretor ou do roteirista. Então, tem muita gente que confunde protagonismo com deixar fazer tudo. Uma professora me contou que um menino de quatro anos chegou na escola, num dia muito quente, com a blusa de lã do irmão de oito anos. Ele não conseguia andar porque estava tropeçando. A mãe falava “mas ele quis!”. Olha só! A criança quer usar uma roupa de lã, de um menino mais velho para ir para a escola, mal conseguindo se movimentar e num dia quente. Basta ele querer? Pode uma criança escolher tudo o que vai comer? A hora de dormir? Os programas que vai assistir? Qual é o papel do adulto? Por outro lado, o adulto precisa regrar tudo? Então o que é esse protagonismo? A gente sempre foi protagonista da nossa vida, mas tem educadores que cerceiam a criança achando que só tem uma maneira de viver as experiências. Portanto, está nos olhos e na escuta do adulto perceber como a criança está se manifestando e em que pontos a criança pode fazer suas escolhas adequadamente.

Tânia Fukelmann Landau parte de um questionamento: como as crianças podem construir suas próprias narrativas? É preciso aguçar o olhar e a sensibilidade para escutá-las, e elas não falam somente com a boca. Dizem-nos com seus gestos, movimentos, olhares e inúmeras expressões. Precisamos aprender a interpretar e dar visibilidade para suas ideias, pensamentos e representações do mundo.

Como os educadores compreendem o protagonismo da criança?

Denise diz que percebe um nó nas discussões atuais: ou é tudo da criança ou é tudo do professor. Não é assim! Essa questão tem dimensões e camadas. Quando o foco é a observação professor, a pergunta que nos orienta é: observar o quê? E a resposta que cabe é: as capacidades da criança. É na ação do professor de ler o grupo que ele pesquisa, estuda, dirige e encaminha. Cria-se,assim, um campo no qual é possível a criança escolher, agir e ser protagonista de sua aprendizagem. São essas as dimensões. Dizer que a criança é capaz, não significa soltá-la a própria sorte, no abandono. Em muitas situações onde o professor diz “eu trabalho com o brincar”, você vê crianças brincarem sem nada preparado, sem o professor ter pensado em algo planejado para elas. Aí soltam o grupo e as crianças brincam “porque elas sabem se virar”. Isto não é ser capaz, nem é ser protagonista, isto é ser abandonada ao que ela já sabe, ao que ela já pode. No ponto de vista da Educação, nessa situação, não se está fazendo nenhuma contribuição.

Nesse sentido, Alice traz o seu olhar sobre papel do professor frente ao protagonismo: se eu tenho a consciência do papel significativo de observadora das cenas que desenvolvo com as crianças, estou esperando que o outro (a criança) possa desabrochar e, assim, também sou protagonista sem precisar direcionar a relação. Mas isso vai depender muito do olhar que se tem para concepção de sujeito, de criança e de Educação. Isto faz toda a diferença, porque, se tenho como meta de educação que a criança faça aprendizagens significativas, as aprendizagens são dela. Por isso, muitas vezes é preciso atuar como coadjuvante, num tempo de observação. Só que fazer uma observação participante, não ficar de lado sentada. As observações vão dando possibilidade de colher materiais para poder criar ações promotoras de avanços. Quando percebo que uma criança já conseguiu isto, trabalho para que ela consiga mais aquilo. Observando e agindo, vou subindo com ela cada degrau. É assim que o professor se torna um protagonista da cena, percebendo cada vez mais, porém de outro lugar. A Itália é responsável por essa visão. Para as escolas Reggianas (de Reggio Emilia) são três os protagonistas: a criança, o professor e a família.

filme olhar e registro 3 A Tânia amplia o conceito e inclui os bebês na capacidade de interferir e participar da própria aprendizagem: até pouco tempo ignorávamos o fato de que até mesmo os bebês aprendem e constroem conhecimentos. Hoje, sabemos que desde muito cedo eles observam, trocam e interagem com as pessoas e os meios em que estão inseridos. Tornam-se coautores em seu processo de desenvolvimento. Ou seja, são influenciados, mas também influenciam seus ambientes. Basta ver como as famílias se modificam com a chegada de um bebê ou como se agitam com o choro deles para compreender o poder de transformação que eles possuem. Esta perspectiva muda radicalmente o modo como concebemos a infância, ela deixa de ser este período transitório entre ser criança e tornar-se adulto, para ser vivida em si: crianças como atores mirins.

Como é a relação do professor que escuta a criança e seu grupo?

Alice traz um esclarecimento: nós não estamos mais olhando na ótica de um ator só. Se nós olharmos sob a ótica da cultura de grupo, o protagonista da ação é o próprio grupo. Além disso, o cenário também tem um papel fortíssimo. O espaço planejado faz com que o professor possa tirar o olho de um grupo de crianças, porque estão mergulhadas, por exemplo, nos cantos, e possa trabalhar com um que está precisando da sua intervenção. Ou ainda, muita coisa está borbulhando com um grupo e o professor pode pegar uma prancheta e anotar. Assim, o cenário está sendo um protagonista no sentido de convidar, chamar as crianças para a intervenção. Shangri-la 5 Para a Josca falar de protagonismo infantil é falar de vida, e vida é também cuidado. A criança precisa ser cuidada para ser protagonista. Assim, o adulto não pode se excluir desse lugar e confundir “deixar tudo” com “protagonismo”. Mas, esse adulto não pode ver a criança como um papel em branco, que não sabe nada e ele como quem sabe tudo. O caminho do meio é o que considera a criança como um sujeito, com seus saberes próprios desde pequeno, e o adulto, que assume o papel de inserir a criança no mundo e zelar pelos seus caminhos. É nosso papel ouvir o que ela quer e negociar, reconhecendo que ela tem o palco da própria vida. É nosso lugar de adulto ponderar sobre o que ela pode escolher para que ela cresça.

Como é educar uma criança compreendendo seu protagonismo?

Tânia responde que precisamos entender que, num mundo cada vez mais acelerado, educar as crianças exige tempo. O protagonismo infantil não combina com pressa, é preciso dar-lhes tempo de ser criança. Tempo para expetiencia de criança Tempo de brincar, de pesquisar, de experimentar, de inventar, perguntar e encontrar respostas para o que emerge de suas necessidades e curiosidades, mesmo que estas nos pareçam estranhas. Tempo de construir castelinhos na areia, de pintar as paredes, de correr atrás das próprias sombras, cheirar as flores, pisar nos campos de terra, se esconder debaixo das mesas, fazer cabaninhas no sofá, inventar arapucas, voar na vassoura da bruxa e transformar a caixa de papelão num avião, foguete ou casinha do cachorro. Tudo que lhe permita criar um mundo de infância, um jeito de ser criança. É preciso respeitá-las como alguém que possui seu próprio corpo, desejos, sentimentos, pensamentos, imaginação e força motriz.

O que concluímos?

Essas quatro visões se complementam em essência. Perseguem o equilíbrio do professor que precisa perceber e criar momentos para as crianças fazerem escolhas, e momentos em que precisa intervir para favorecer aprendizagens e cuidar da integridade dos pequenos. De forma prática, a Denise traz uma explicação simples e elucidativa. Se os conteúdos da Educação Infantil  favorecem o desenvolvimento da criança nos campos de experiências, então as temáticas e os enredos para que isso aconteça devem partir da constante escuta dos pequenos que, mais interessados e instigados, podem fazer suas aprendizagens com significado.

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  Foto Maria Alice ProençaMaria Alice Rezende Proença é doutora em educação pela PUC-SP, mestre em didática pela FEUSP, assessora pedagógica da Escola Primeira, formadora da rede pública e privada, coordenadora do projeto Paz se faz com arte da Aliança pela infância e MAM-SP.

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Denise Nalini é doutora em Educação na FEUSP – SP, coordenadora pedagógica no instituto Pró Saber, formadora no Instituto Avisa Lá e professora de pós graduação do Instituto Singularidades, SP.

Jjosca 8osca Ailine Baroukh é psicóloga com especialização para professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental no Espaço Pedagógico. É coordenadora do curso de pós-graduação “Crianças de 0 a 3 anos: formação de profissionais para as infâncias do Brasil” no Instituto Singularidades e formadora de gestores e professores.

foto blog Tânia 10Tânia Fukelmann Landau é pedagoga pela PUC-SP e Especialista em Educação Lúdica pelo ISEVEC. Fundadora e diretora da CONVERSO Assessoria Pedagógica. Colaboradora em projetos e publicação da Fundação ABRINQ. Membro da diretoria da Casa do Povo (instituição cultural). Balão-Para-Saber-Mais

Para ampliar e aprofundar essa questão leia as postagens:

Base Nacional Comum Curricular: a criança como protagonista Protagonismo infantil em três relatos práticos Base Nacional Comum Curricular: uma referência prática? Você decide! Campos de experiências todos os dias! Preparar atividades: o desafio de planejar o imprevisível Dicas para planejar e preparar Cantos de Atividades Diversificadas Balão-crédito-imagens

Crédito da imagem:
Cenas do filme Monitoring early progress da coleção teatcher. tv

1 comment

No momento em que o professor observa e escuta os alunos com certeza o aprendizado fica bem mais interessante.

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