Projeto e pesquisa na educação infantil: muito mais do que informação
Qual o projeto da turma para este semestre? O que é trabalhar com projetos na educação infantil? É uma abordagem importante? Como selecionar temas? Como instigar o grupo? Neste texto convidamos o leitor a pensar sobre projetos, sequências investigativas, pesquisa e o valor da roda de conversa neste contexto.
Ainda hoje vemos creches e pré-escolas impondo temas de pesquisa para as turmas: projeto das quatro estações, cinco sentidos, bichinhos do jardim, identidade, cultura africana…, pensados por professores e coordenadores, no início do ano letivo, antes mesmo de conhecer as crianças.
Os temas em si não são o problema. A questão está em acreditar que experiências de investigação e construção de conhecimentos podem ocorrer com assuntos descolados da curiosidade das crianças. Madalena Freire nos lembra que curiosidade é característica da criança, mas ela precisa ser alimentada com intervenções, encaminhamentos e devolutivas adequadas ao contexto.
Por isso, escolas e professores vêm se repensando e questionando a própria prática, buscando dar vez e voz aos interesses singulares e às perguntas das crianças para construir aprendizagens de fato significativas.
Neste ato de se repensar, os educadores atravessam uma crise de indeterminação: partir de uma pedagogia transmissiva apoiada em caminhos previamente estruturados ou considerar uma pedagogia participativa, que inclui os saberes e as questões das crianças, para orientar o planejamento do percurso investigativo?
Como fazer diante dessa incerteza?
Como fazer a passagem de uma crença a outra, que embora pareça clara na teoria, não se revela tranquila na prática?
Assim, surgem muitos outros “comos”: como planejar as atividades se não se sabe ao certo o que virá? Como ler nas entrelinhas as curiosidades das crianças? Como trabalhar um currículo apoiado em experiências que promovam a construção da identidade, as interações, os saberes do corpo, as múltiplas expressões e a linguagem (campos de experiências)?
Propomos considerar as incertezas como possibilidades produtivas!
As autoras do Tempo de Creche e as autoras parceiras, Joyce Eiko Fukuda e Lucila Almeida têm se debruçado sobre esta questão para buscar formas, formatos e formações. Com isso pretendem auxiliar os professores da educação infantil a desenvolver uma prática que considera o desejo de conhecer da criança e sua capacidade de investigar, propor, interagir e construir aprendizagens nas diversas esferas do conhecimento.
Nas perspectivas de Piaget e Dewey, a curiosidade e a investigação são os motores da aprendizagem na infância, para que as crianças aprendam a projetar e encontrar meios próprios de realizar seus empreendimentos. Ao se envolver em experiências investigação e pesquisa, as crianças têm a oportunidade de aprender a partir das suas múltiplas linguagens e pelas hipóteses e ideias construídas no grupo. Isto é afastar-se de uma pedagogia linear, que só enxerga uma direção de pensamentos e assumir novas possibilidades criadas pela construção coletiva de conhecimentos.
Mas, para que haja interesse pela pesquisa, o espírito investigativo da criança precisa ser provocado! O desejo de perguntar, conhecer e criar deve ser instigado para que ela deseje conhecer e se encante com as descobertas de seu percurso de pesquisa. Assim, é necessário dialogar com o que instiga, valorizar a curiosidade e os questionamentos, orientar a busca de informações, documentar a pesquisa, retomar os registros, promover conversa e formulação de hipóteses, acompanhar a resolução de problemas e valorizar a construção de estratégias, a avaliação e os saberes. Nesse sentido, para desenvolver uma pedagogia participativa e reflexiva é preciso ancorar-se em:
- Planejamentos abertos e dinâmicos;
- Espaço para perguntas e para o desconhecido;
- Curiosidade e encantamento;
- Pensamentos de cada um e diálogos coletivos;
- Ideias que partem das crianças, alimentadas pelas intervenções do professor para fazer pensar, imaginar, levantar hipóteses, planejar e resolver problemas.
- Documentação dos percursos do projeto e dos conhecimentos produzidos pelo grupo;
- Não baratear os conhecimentos e acessar junto com as crianças os saberes construídos pela humanidade, para desenvolver novas hipóteses, estratégias e saberes;
- Ir além de uma aprendizagem baseada somente em transmissão de conteúdos e informações.
Assim, oferecer oportunidades de pesquisa para crianças pequenas está distante do planejamento de propostas “divertidas”, que duram apenas o tempo da atividade. As propostas que se transformam em verdadeiras experiências de aprendizagem dialogam com as perguntas das crianças, se conectam com as percepções e saberes e deixam marcas… marcas da experiência no corpo, na mente, nas paredes da escola e nos portfólios.
O papel do professor investigador e mediador
Olhar para o passado e para o futuro embasa o planejamento no presente
Um pensamento comum no meu tempo de criança afirmava que “conhecimento não ocupa espaço”, mas não significa que não é trabalhoso conquistá-lo…
Olhar para o passado e para o futuro embasa o planejamento no presente. Lembrando disto, mexemos no arquivo de postagens publicadas nos meses de abril de 2014 a 2018. Os temas são variados e propõem um leque de possibilidades para refletir:
- O que pensamos nos meses de abril para fazer as postagens do Tempo de Creche?
Quais temas nos envolveram?
A preocupação maior foi a criança!
Pensamos nelas o tempo todo, mas o olhar foi estendido para as diferentes dimensões do fazer pedagógico…Organizamos as postagens procurando agrupá-las por temas e, assim, facilitar o acesso aos conteúdos que lhe provoquem: - Diversidade,
- A escola e o seu entorno,
- Ampliação cultural,
- Relação criança-adulto,
- Aprofundando a formação,
- Aprimoramento profissional,
- Planejamentos e
- Recursos.
Depois do período de acolhimento…
Por que o período de adaptação/acolhimento não acaba?
Muitos professores imaginam respostas para essa pergunta comum:
Neste ano minha turma está difícil.
As minhas crianças chegam cansadas, ficam irritadas e querem dormir.
Percebo que os pequenos ainda não estão prontos para participar de projetos, eles não se entrosaram com os colegas, o espaço, os horários…
Encontramos professores assumindo essas conclusões no período “pós adaptação” ou, como temos nos referido, “pós-acolhimento”.
O que está acontecendo de fato?
Onde está o problema?
O que está por trás dessas conclusões?
Respondemos:
O que você está olhando?
O que está deixando escapar?
Qual é a sua pauta de olhar nesse momento?
A chegada dos pequenos à escola no início do ano se resume a alguns aspectos fundamentais:
- Relações com os adultos
- Relações com outras crianças
- Construção dos tempos coletivos e a rotina
- Interações com o espaço
- Interações com os materiais
- Aspectos individuais
- Segurança
As relações demandam empenho, afeto, tempo e amadurecimento para que se estabeleçam os novos vínculos. Trabalhamos nesse sentido buscando conhecer cada uma das crianças que compõe o grupo, suas histórias e raízes, investimos nos gestos, nas palavras e na mediação entre os amigos. E assim, num trabalho de formiguinha vamos gerando – de gestação mesmo! – o nosso grupo.
Até aqui, tudo certo! Temos até um sentido humano-amoroso-professoral que nos guia por essa jornada. Mas então o que falta? Por que ainda não está dando certo?
Sou o que sou, não o que vou ser…
É possível olhar outro ser humano com olhos neutros?
Acho que não! Percebemos o mundo a partir do que somos e das experiências que acumulamos na jornada da nossa vida.
Lá no início do ano, quando entramos em contato com as crianças que vão ser “nossas”, é com um olhar subjetivo que encontramos outras tantas subjetividades concentradas em corpos pequeninos.
Estar consciente de que nosso olhar nunca é neutro, é ponto de partida para pensar sobre a forma como vemos as crianças e como desenhamos suas características em nossas cabeças. É esse desenho, ou conceito, que pauta as relações com os pequenos.
Registro e Documentação Pedagógica: o diálogo com a prática
Ao final de cada sequência didática ficamos com a sensação de que deveríamos ter uma plateia acompanhando as habilidades e conquistas dos nossos pequenos! Puxa vida, tem muita gente perdendo esse espetáculo da vida real! Talvez registro e documentação pedagógica sejam um caminho. Mas como dar os primeiros passos para registrar e documentar? Ou isso tudo é simplesmente “burocracia”?
Recentemente recebemos e publicamos o relato da Keli – Uma prática de documentação pedagógica para aproximar famílias, uma professora de berçário que descreve seu percurso na elaboração de uma proposta de documentação pedagógica. Sua intensão foi fortalecer a comunicação com os pais, na medida em que na rede municipal onde trabalha a participação dos pais e da comunidade na escola é bem pequena.
Uma das muitas questões que a instigava era uma forma bacana de compartilhar com as famílias todo o trabalho que era realizado com os bebês de sua turma. E a forma de apresentação deste processo resultou em alguns boletins informativos que foram entregues aos pais e expostos no quadro da escola.
O registro deve ser considerado como um instrumento metodológico da vida pedagógica. O que implica em ampliar o olhar, captar pistas para os próximos planejamentos e não ver a ação apenas como uma obrigação ou exigência da instituição. Cada professor precisa criar uma disciplina que garanta a frequência e a elaboração das informações.
Registro e documentação pedagógica são, dentre as atividades dos professores, temas recorrentes e de constante aprendizagem. Na postagem Um guia para a jornada do relatório individual construímos uma sugestão de roteiro para auxiliar a elaboração de relatório, focando a trajetória de cada criança, com suas singularidades e conquistas.
Mas como assegurar que ao final do período, teremos material suficiente para refletir sobre o percurso de cada criança? E como criar uma rotina para compartilhar frequentemente com equipe, famílias e crianças os processos vividos pelo grupo?
A resposta parte de perceber e experimentar os ganhos com a disciplina de fazer registro que, como já dissemos, não é burocracia, mas é parte integrante do trabalho do professor.
Lista de Postagens por Tema
Para facilitar a pesquisa Tempo de Creche reorganizou a Lista de Postagens por Tema. Acesse e veja como ficou simples procurar os conteúdos do cotidiano da Educação Infantil. Mas, se você sentir falta de algum assunto, não hesite em nos dizer! Afinal, Tempo de Creche e seus leitores formam uma parceria com dois anos de conversas, apoio e trocas!
Acabou a adaptação! Qual o caminho para o planejamento?
Acabou a adaptação. O que eu já sei? O que ainda não sei e preciso saber para trabalhar com os meus pequenos? Que tal planejar uma viagem de aprendizagens com as crianças a partir de um roteiro para refletir?
Passada a adaptação, muitas informações puderam ser levantadas pelo professor que:
- acolheu crianças emocionadas e inseguras;
- recebeu, conheceu e se relacionou com as famílias;
- percebeu as primeiras peculiaridades da faixa etária com a qual está trabalhando (se houve mudança!)
- no meio do turbilhão de sentimentos, observou as características mais evidentes das crianças.
Pauta do Olhar: o que o professor precisa olhar para registrar
O que o professor observa? Como é esse olhar? No que ele se diferencia dos vários olhares que as crianças recebem dos pais, dos familiares, do médico e de outros educadores?
O professor desenvolve um olhar observador da cena pedagógica: das crianças individualmente, em sua relação com o grupo e com os adultos, nas situações de aprendizagem.
Por quê?
A observação é uma ferramenta necessária para quem trabalha com educação. Por meio da observação o professor direciona seu olhar para buscar ver o que ainda é desconhecido. Por ser um olhar intencional, pensa e questiona a respeito do que vê e quer entender o que está acontecendo. Não é um olhar vago à espera de descobertas, é olhar cuidadoso, observador, olhar reflexivo.
O que crianças pequenas entendem sobre projetos?
Temos o hábito de nomear “projeto” as atividades ligadas a uma temática comum como, por exemplo, Projeto Teatro de Sombras, Projeto Lagartixas e Lagartos, Projeto Construindo Cidades, Projeto Horta, Projeto Bumba meu boi etc.. Mas…
…será que são mesmo “projetos”?
Refletindo a partir da prática, vamos imaginar que um grupo de crianças se interessa pela Lua (por meio de uma história, um filme, uma conversa na roda, a Lua que se mostra no céu do dia etc.). O professor percebe, registra e planeja intervenções para ampliar descobertas:
Onde fica a Lua? Perto, longe …
Como ela é? Qual a sua cor?
O que tem lá?
O que planejar… alguma sugestão?
Como ter inspiração para planejar boas propostas, que abranjam todos os campos de experiência das crianças?
Reconhecemos a potência das crianças. Entendemos que precisamos estar à altura dos seus interesses e pesquisas. Sabemos quando “acertamos em cheio” e percebemos as propostas que envolvem os pequenos e rendem mil descobertas. Existe uma fonte inesgotável de sugestões de atividades?
Sim! Tudo se resolve quando a fonte é o que enxergamos e ouvimos das próprias crianças! É ao olhar para o que cativa e provoca descobertas que pode nos conduzir a uma jornada certeira de planejamentos, pesquisas e aprendizados. Do contrário, tudo o que planejarmos será artificial, porque partirá do nosso interesse, da nossa vontade, da nossa brincadeira.
Ao dedicar olhos e ouvidos para as crianças, e esforços para encaminhar suas sugestões, garantimos um estado de experimentação que conduz os pequenos ao desenvolvimento constante.